quinta-feira, 11 de abril de 2019

Oie

Estou desde domingo à noite tamborilando esse e-mail pra você. Não tem cigarro, não tem uísque, não tem comédia romântica na tevê que me ajude a dizer o que eu quero dizer.
Talvez eu queira dizer que eu pensei em você todos os dias depois daquela noite no bar, daquele abraço na porta da minha casa. Pensei no seu cabelo caindo no olho, no seu nariz perfeito, na sua aliança dourada. Pensei se sua aliança tinha o nome da sua ex gravado. Pensei no seu casamento acabado e em você acabado. Pensei no que dissemos e no que não dissemos. Pensei que eu queria te ver de novo, naquele mesmo dia, quem sabe num parque, quem sabe na padaria onde eu comi aquele sonho coberto das suas lágrimas. Pensei, pensei e pensei. Pensei no que eu queria e no que eu não podia.
Quantos dias se passaram? Eu esqueci de contar porque eu eventualmente pensei que não devia pensar, então voltei pra mim, pros meus gatos, pra minha banda, pros meus dias bestas. Recebi uma ou outra ligação, uma atendi, outra recusei. Revisei um livro doído de tão ruim, vi um documentário sobre uma menina desaparecida, vi clipes de músicas oitentistas no youtube, vi minhas amigas e não disse a elas nada sobre você, porque não queria nem o estímulo nem a censura, você era um segredo meu, um desejo meu que eu não poderia partilhar com ninguém porque eu não poderia partilhar com você.
Duas semanas, eu acho, foi o tempo que demorou pra você me procurar, porque não trocamos telefone naquele dia. Posso dizer que foi conscientemente, só pra mentir, só pra fingir que eu não queria ter subido com você e visto como você fica na minha cama. Posso dizer que foi conscientemente pra quem um dia me perguntar – “não tinha como trocar telefone, foi o melhor a fazer”.  Mas não foi conscientemente porque eu estava ébria de uísque e de um sentimento novo, um pulsar diferente no meu peito, uma urgência na garganta de dizer “vem”. A mesma urgência que me fez procurar suas redes sociais revirada na cama, a mesma urgência que me fez não seguir, não adicionar.
Duas semanas até eu te ver na entrada da padaria, numa sexta-feira ensolarada, um café na mão e um sorriso que ainda agora eu não consigo decifrar. “Não tenho seu telefone, lembrei que você tinha combinado de me encontrar aqui no dia seguinte às 8h, então achei que você costumava vir aqui sempre. Não sou stalker, eu juro, é porque vamos lançar nosso app daqui dois meses e queria saber se sua banda não quer tocar na festa”. “Que ótimo, mas você nem conhece minha banda”. “Verdade! Me apresenta?”. Sentamos no balcão, te mostrei uns vídeos, te mandei o link pra baixar as músicas, eu não pensei e devia ter pensado. “Vou trabalhar agora”. “Podemos nos encontrar no almoço pra fechar então o show?”. “Claro, me passa seu telefone, daí você para de me perseguir”.
Do almoço pro bar no fim da tarde pra nós dois na minha cama eu não lembro como foi. Eu lembro de você na minha cama, do seu cabelo suado caindo sobre os seus olhos, do seu nariz perfeito roçando no meu rosto, das suas unhas penetrando as minhas costas. Me lembro da sua figura na janela recortada contra a noite enquanto fumava um cigarro e eu te chamava de volta, e você voltou pesaroso, e eu perguntei o que houve, e você disse que há meses não se sentia tão vivo. E talvez por isso você tenha me agradecido, ao que eu me senti uma acompanhante de luxo, prestando um serviço pra um divorciado, um momento de esquecer a mulher que tanto amava e não o queria mais. Você me olhou com olhos ternos, como se sentisse o que eu senti, e me disse que estava genuinamente feliz.
A culpa deu lugar a uma estranha euforia, e de repente eu soube que você ficaria naquela cama até a vida nos denunciar. Sexta à noite. Sábado de manhã, de tarde, de noite. Domingo de manhã, de tarde, de noitinha. Você recebeu uma ligação do sócio e precisou correr, e eu não dormi nada, e já se vão dois dias desde que você me beijou na boca e saiu apressado, e acordei hoje pensando que eu devia escrever pra você pra dizer.
Pra dizer que eu tenho medo.
Tenho medo porque não sei como manejar uma relação – de qualquer natureza – com alguém emocionalmente indisponível. E não é que eu queira que você me ame hoje, eu certamente quero que você me deseje hoje, e talvez fosse simples passar a noite inteira com você até meu corpo desistir e eu dormir pesadamente por horas. Talvez eu não me apaixone por alguém que já ama uma terceira pessoa que não está envolvida na equação. Talvez.
Mas talvez eu queira romance, um namoro de mãos dadas, talvez eu queira um domingo no parque, um cinema na última sessão pra gente não ver o filme, eu não sei. Nesse momento tudo sobre você em mim está suspenso e eu não sei se apenas quero o que você tem pra me oferecer ou se estou entrando de cabeça num caminho onde espero o que você não pode me dar.
Que louca.
Talvez eu tenha medo porque você é a criatura mais apaixonável que já cruzou minha existência, e eu sou de arroubos – logo se vê.
Talvez eu tenha que esclarecer que não me apaixonei por você. Pode ser que nunca, inclusive, porque sou de arroubos mas também de um zelo por vezes excessivo. Mas eu tenho que esclarecer que, no momento, não sei lidar com o que eu quero de você.
Acho que podemos manter uma respeitável relação profissional, por ora, já que você me contratou no almoço e me comeu no jantar, e eu já mandei a notícia pras meninas da banda e elas estão super empolgadas porque seu app no fundo é incrível e elas montaram um repertório bem wild party pra combinar com o que vamos lançar daqui dois meses.
Acho que podemos conversar pelo whatsapp, pra eu não ver seu cabelo caindo no olho, pra eu não lembrar do seu nariz perfeito, pra eu não pensar em você dentro de mim.
Acho que podemos somente o que não queremos.
Beijos,
Lila.

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A primeira parte dessa história você pode ler aqui

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