quarta-feira, 31 de março de 2010

Cantadas Baratas!

Bem leitores, vou usar o termo de outra colega do blog, e escrever um texto mais "sincerista", um diálogo mais olho no olho, pois o tema apesar de corriqueiro nos remete a questões sérias, como divisão de classes, Marx, o capital, e outras cositas más, então prepara o tira-gosto e a cerveja gelada e vamos bater um papo de boteco.

Recebi um elogio (por este blog) recentemente (valeu Maíra), que dizia mais ou menos assim: "A vantagem de vocês saberem escrever, é que não usam cantadas baratas para conquistar as mulheres".

Nesse instante pensei: está tudo errado! A idéia, por mais que estudemos a escrita freqüentemente, não é de parecermos seres iluminados, detentores dos argumentos filosóficos, manipuladores de informações para autopromoção.

A Academia Acreana de Letras não nos quer, nós não queremos a academia, estamos nessa por hobby e o sonho de um dia vender mais livros que o Paulo Coelho, isso mesmo, aquela "cantada barata" dentre os "enjoados" da literatura.
O blog nasceu com a promessa de ser romântico e não-piegas, e nem sempre temos conseguido, sei de casos de integrantes que devoram todas as letras de Reginaldo Rossi antes de escrever para este canto de letras.

E ainda assim, a leitora nos coloca em confronto com o que há de mais sincero, mais humano, apesar da pobreza de linguagem, a tal da "cantada barata". É verdade que "Psiu" e "Ei, gatinha" são mais batidos do que roupa de brechó, mas diga lá moça, apesar da sua careta de reprovação, faz bem pro dia, não faz?

Notem, se o pedreiro na obra fizer o "psiu" ou o "Ei, gatinha..." terá nascido do mais profundo desejo de elogio, guarde, receba mesmo que seja como aquele presente de amigo oculto de R$2.99 com todos da firma. O que vale é a intenção, de verdade, ele jamais falaria pra outra que não fosse "gatinha".

Mas atenção, defendo apenas parte da classe dos "cantadas baratas": aqueles que por conseqüência de uma vida de trabalho não puderam estudar o suficiente e aprender todas as possibilidades que a língua tem para transmitir sentimentos. E isso nada tem haver com os "playboys" que saem por aí arrotando a sabedoria de notas pagas, e que no fim das contas não dizem nada além de "Psiu, Ei gatinha..."

Apesar da grande mudança nas relações, a obrigação da abordagem continua com o homem, e argumento agora com todas as mulheres leitoras desse blog, para que reflitam: por trás de uma cantada barata, pode haver uma serenata de grande valor. Tim-Tim.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Sem medo!*

A poesia será nossa comunicação mais secreta, quieta, assim... silenciosa, serena, mas, não menos voraz.
Encontre nela a beleza de seu ser, o reflexo de sua alma, a grandeza de suas palavras.
Em cada letra, costurada como uma colcha de retalhos, abrande a dor, ecoe o grito, esbraveje o silenciar do coração.
Em cada verso, libere a leveza do corpo... vença a falta de ar que o medo traz.
No mais profundo vazio encontrarás o puro sentimento, inebriado pela sua forte presença, cara-a-cara, o desafio de um ciclo necessário, essencial para reconstruir a energia que move seu sangue.
É um pequeninar de toneladas, um momento como o das garças, que muitas vezes se apóiam em uma só perna para não pesar o coração.
Viva o vazio mais movimentado, aquele na multidão ou solidão... seu, assim, só meu!

*Texto da jornalista Andréa Zílio

sábado, 27 de março de 2010

Pedaços da alma


Muitas vezes uma pequena frase é a ponte que nos leva a viajar por entre a história da nossa vida e o presente estado dela. Viver é bom demais e fazer desta vida palavras de eterno amor é caminhar com serenidade em meio a tanta dor. Talvez essa serenidade que sinto agora, seja resultado de um possível amor.

Pedaços da minha alma em formato de pequenas letrinhas, boa leitura:

“Gostaria de ser neste exato momento a sua fraqueza mais íntima, pois somente assim eu venceria essa força que surge para ficar longe de mim”.

“Não quero te conquistar, não quero ser seu amigo, só quero ter a honra de sentar ao seu lado e respirar esse ar tão precioso que se alastra em direção ao infinito”.

“Ao segurar as suas mãos, são as minhas que estão seguras”.

“Se essas flores falassem, elas reclamariam envergonhadas, tamanha é a tua soberana beleza ante as delas”.

“Naquela pequena fração de tempo entre o inesperado e contido, teu olhar é como fogo a queimar meu coração”.

“Teus passos te levam aonde você quer, os meus levam-me sempre a você”.

“É muito fácil escrever um poema romântico sobre você, porque tu transformaras a minha vida em um eterno romance”.

“Você estava de amarelo, como ficou linda”.

“Abrir a porta para você é acender a vida para mim, mas, fechar a porta é o apagar dos sonhos”.

“Tentei caminhar, mas meus passos lutavam aflitos buscando sua direção”.

“Você sempre foi a minha paz, mas somente na guerra eu te dei valor”.

“Toma esse chocolate, pára de reclamar, porque eu te amo”.

“Tu és a cura dos dias solitários e a esperança dos finais de semana”.

“Cabelos jogados ao vento, livres, espelhando a cor do por do sol”.

“Um, dois, três, quatro, cinco: Agora posso abrir os olhos, pois está gravado em minha memória o imaginar do nosso primeiro".

sexta-feira, 26 de março de 2010

Anedotas de um desventurado outrora amado & amante: o telefonema

(baseado em fatos mentirosos, pero no mucho, narrados num boteco obscuro localizado na esquina de sua rua e freqüentado por bacharéis em vida)

Puta calor esse que faz nesse verão/inverno/outono/quiçá, primavera amazônica. A serventia dessa quentura metida à infernal é fazer do meu drama ainda mais sacana. Não faço nada. Sou presidiário sem direito a pedido de revisão de pena ou habeas corpus, pois, para falar a verdade, o carcereiro-juíz sou eu mesmo. Não, na verdade não. É ela! Não lancei nenhum fonema solicitando a promessa. Mas a diabólica acho por bem fazê-la. E agora? Espero ou parto para ação?!

Melhor ficar aqui mesmo, imóvel, de butuca. Se eu me expuser, posso ficar por baixo e na boa, até mesmo os românticos, ninguém quer ficar por baixo, salvo no momento do coito - com a devida alternância de posicionamento, claro. Ela tem palavra, vai cumprir. Mas que agonia constrangedora é essa da espera! Vou. Não vou. Vou. Não vou. Pá pu! Não fui.

Mas há de ser castigada, essa ingrata. Na terra, no céu ou no inferno, ela ainda vai pagar por esse mal. Não carecia criar tamanha quimera, mas agora já era. “Mô, te ligo amanhã.”, “Que horas?”, “Não sei... hum... às cinco da tarde”. Tolo, estou aqui. Já são cinco e vinte cinco. Tempo suficiente para eu ter perdido o pão quentinho da padaria da esquina. Vou comer o pão duro, mas ela vai comer o pão que o diabo amassou.

Engraçado. No futebol, vinte e cinco minutos não são quase nada. E dura noventa. Essa relação já tem pouco mais de sete meses, e esses vinte e cinco minutos tão fazendo a diferença. Quando foi que me tornei tão ansioso? Preciso desabafar isso com a psicóloga ou com o garçom do bar. Algo tem que ser feito.

Olha, cansei. Que se foda com força! Não quero mais saber dessa mujer que faz pouco caso da necessidade de ouvir sua voz. Vou sair. Vou ser livre. E vou fazer agora!

(trecho acima extraído dos pensamentos mais íntimos de um desventurado num passado nem tão distante, nem tão remoto.)

(telefone toca e ele corre para atender)

“Alô? Oi, amor! Não, não tava te esperando. Fazendo o quê? Nada... Só estava de bobeira... E você está bem?”

(...)

(Fim do primeiro ato)

quinta-feira, 25 de março de 2010

Perfect tunes


É engraçado como ligamos certas coisas ao amor, não é? Coisas físicas no caso. Há essa necessidade de ligar esse sentimento a uma carta, um colar, uma comida especifica, determinada música, um filme, um jogo, ou qualquer outra coisa que nos faça lembrar “aquela pessoa”. Nós sempre convivemos com essas coisas, mas é só depois “daquela pessoa” que ela torna-se um marco, algo importante. Antes, era apenas mais uma das várias coisas que vamos juntando e perdendo pela vida.

Eu sempre acabo ligando alguém a uma música. Sempre. Pode ser um música que marcou o relacionamento, ou que a letra lembre aqueles dias, mesmo tendo ouvida depois de toda a história. Um exemplo é aquela música dos Tribalistas, que tocada naquela novela das oito, qual o nome mesmo? Velha Infância!

Quando ouvir essa música pela primeira vez eu já tinha terminado o meu namoro, mas foi impossível não fazer a ligação da letra com a história do meu relacionamento, e mesmo ela nunca tenha tocado durante os meses em que eu e meu ex estivemos juntos, eu decidi que aquela seria “a música”. Não tinha como ter outra, a história era aquela mesma.

E assim foi You Know I’m Not Good da Amy Winehouse, Hey Jude dos Beatles, Nude do Radiohead e, mais recentemente, Heartbeats do Jose González. Não tem jeito, as músicas me tocam de uma forma, que não tem como remeter. Mas da mesma forma que vocês vai superando os relacionamentos, também vai superando as músicas. Pelo menos é assim comigo.

No começo, eu nem sequer podia ouvir Velha Infância. Começava a tocar, eu mudava de estação. Simplesmente não estava pronta para a enxurrada de sentimentos e lembranças que ela me provocava. Depois eu superei, e agora posso ouvi-la com a deliciosa nostalgia de um relacionamento que foi bom, teve suas falhas, terminou, mas deixou boas lembrança e essa deliciosa música como trilha sonora. Assim foram Amy e Radiohead. Sem traumas. Lembranças, e só. Quanto ao Jose González, acho que vou continuar evitando a pasta com o CD dele no meu computador por mais um tempinho.

“Uma única pessoa é um universo infinito, pronto para ser explorado todos os dias, até o fim da vida.”

Estava trabalhando em campo, quando esse pensamento acima abrolhou. Ultimamente tenho aos poucos voltado a escrever e isso tem me abarrotado de alegria. Voltei a andar com uma pequena caderneta e lápis, coisas de quem não tem boa memória e não quer deixar fugir as boas idéias.

Estava adentrando em um bairro bastante periférico, quando deparei-me com algumas prostitutas. Dei bom dia e pedi algumas informações, elas foram atenciosas. Logo depois lembrei uma historia que uma amiga relatou, que contava que seus avós durante todo o casamento, depois de 8 filhos, faziam sexo de 3 a 4 vezes por semana, isso depois dos 45 anos de casamento.

Dizia ela (minha amiga), que ele (seu avô) falava para seus filhos: “nunca queira mais de uma mulher, pois, o homem que ama apenas uma e com ela fica até a morte, conhece mais de mulheres que o macho que deitou com centenas”.

Logo pensei, aquelas garotas (prostitutas), assim como alguns amigos, que todo fim de semana estão “pegando” alguém diferente, conhecem machos e fêmeas, mas nunca conheceram homens e mulheres. Conhecem sexo, mas nunca amor. Sabem tudo sobre posições sexuais, mas nunca fizeram amor.

Aprendemos a ser pessoas superficiais em uma das áreas mais importantes da nossa vida, no relacionar e no construir de uma família. Viramos uma reprodução ideológica de uma cultura “sofisticada” que prega a desvalorização do conhecer e amar. Se estivesse enganado, você saberia responder com toda propriedade, quais sonhos, problemas e ambições aquela pessoa, que você “ficou” por último, possui. Mas isso não é importante, afinal era só um fica.

Esse “ficar” ta indo bem mais além. Hoje em dia temos os amigos ficantes, irmãos ficantes, pais ficantes. Ninguém sabe mais nada sobre ninguém. A moda é aproveitar o momento e que se danem as responsabilidades, pois, ser responsável nos relacionamentos acarreta fidelidade para com outro.

Nos últimos meses tenho conhecido bastantes casais, que tiveram a felicidade de casar virgens e que durante sua vida de casado, apesar dos problemas, da pra perceber uma ligação tão íntima e profunda, que ali, já não existem mais dois corpos, mas apenas um. No agir, no criar dos filhos, nas decisões, nas crises e na morte.

Escrevemos poemas, contos, descrições e observações, relatos da vida real. Mas será que ser romântico se resume a isso? Não me considero romântico, mas se um dia eu conseguir chegar lá, será apenas para ela. No singular, no particular, no conhecer, no viver, no compartilhar. Quero ser romântico no mundo dela e não para o mundo.

Esse é um dos grandes problemas dos nossos dias, não tivemos pais apaixonados, românticos, amantes, fieis um com o outro para nos dar o exemplo. Mas, podemos mudar essa realidade para nossos filhos.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Carta da Aurora


Nutricionistas do mundo inteiro afirmam que o café-da-manhã é a principal refeição de um indivíduo. Um desjejum bem feito é capaz de controlar o sobrepeso e até evitar gastrites.


Mas não é a intenção dessa surpresa, querer mudar seus hábitos alimentares ou aperfeiçoar o seu corpo já tão simétrico.

A intenção é que entre uma fruta preferida e o pãozinho com manteiga, você saboreie o quanto fez falta na vida deste que vos escreve e que você saiba que saudade pode ser sim tão saborosa quanto à tapioca e o café-com-leite.

Pessoas especiais não precisam de muito tempo para mostrar seu valor, os chocolates são uma boa prova disto, basta degustar um pequeno pedaço para que fique o gostinho de “quero mais”.

As conversas trocadas, os olhares perdidos, os telefonemas não atendidos e os cheiros marcantes não têm necessariamente a ver com café, mas talvez tenha com um jantar. Quer sair comigo hoje?

CILADA DO AMOR


“ - O meu problema, é que eu me apaixono por elas, porra Maurício!” _ Dizia ele perdido em seus sentimentos, nobres e ingênuos ao declarar ao amigo confidente que ao longo de sua vida se apaixonara por todo tipo de mulher com quem tinha se envolvido. Parafraseando a música popular, já havia se enamorado por mulheres de todas a cores, idades, casadas, solteiras e/ou carentes.

Esse sim, um verdadeiro romântico sem pudores, sem acepção de cor ou classe, se entregava aos devaneios e sentimentos sem temores de opiniões, pensões vitalícia ou bronca de familiares, nos últimos dois anos. Marcos havia morado, no mínimo em três casas diferentes com donzelas sem nenhum perfil para serem “donas de casa”, aquele jeitinho bem clássico que muitos homens sonham encontrar, geralmente aquelas figurinhas que lembram uma mãe. Eram mulheres fortes, independentes, numa correria em busca de metas bem distintas de nosso protagonista e autor da exclamação que iniciou o texto, um chato e banana a ser percebido na primeira piscada.

Claro que você pode imaginar, sim, sim, meu caro leitor/a, nosso amigo aí sempre se sentia em meio a um eterno conflito amoroso, só mudando de endereço, personagem e cenário, mas o que faria ele? Pensou estar preso em um feitiço originado em uma idéia da vovó Zilma em que a bruxa má (geralmente uma nora malvada que a fizera perder o ente querido) preparara o café cheirosinho torrado e moído, saboroso de todas as manhãs e eis que ela o côa na própria calcinha prendendo nosso pretensioso herói eternamente nas ciladas do amor. Oh? E agora? Não era amor, era cilada? Ou o amor é mesmo uma cilada? Sempre se perguntava ele antes de dormir em noites solitárias.

terça-feira, 23 de março de 2010

Dicionário da mulher – Verbete: Cozinha

Animal homem é bicho melindrado e invejoso. Nós queremos porque queremos fazer uma ocupação indevida de algumas das graças que de origem e de direito são dos motivos de orgulho para o Criador: las mujeres. Entendo que numa leitura dinâmica, mas sem atenção nas sutilezas de minha argumentação, os visitantes da Confraria possam se deixar enganar e classificar este escritor meia-sola como um machista desprezível. Um dedo de compreensão é o que peço em minha defesa.

Vou mandar na lata onde é que o macho veste a carapuça do mal de Caim: a sensualidade da mulher na cozinha. Antes de desferir o elegante tapa que só os insolentes recebem de uma fêmea, novamente rogo por vossas atenções para este raciocínio. O homem tenta, mas nunca atinge os níveis de encantamento que só uma donzela alcança no preparo do alimento nosso de cada dia.

Não há e nunca houve na história desse planeta, algo mais lascivo que uma senhora dominando com aquele ar professoral as misturas de temperos, tempos de cozimentos, quebra de ovos e velocidades de rotação de colheres em busca da batida perfeita. E nem mencionei a pitada de tempero que ela adiciona à beleza deste momento: sereias que cantam na cozinha. Já presenciei momentos assim e confesso que minha libido borbulhou tal qual o molho de tomate que acompanharia a macarronada.

Vejo uns varões sem-vergonhas, nessas comparações imbecilóides entre mujeres y hombres, insinuarem que os maiores chefes-de-cozinha são do nosso gênero. É difícil precisar se é inocência ou só ignorância de fato... A gente ocupa um status de mentira, pois a sapiência gastronômica é delas. Minha senhora, não caia no papo das revistas Cláudias da vida. Homem no altar alimentício não é sexy, ou pelo menos não em vossos níveis.

Em letra nenhuma pretendi embasar a máxima tola que “lugar de mulher é na cozinha”. Pelo contrário. Se você é um cabra respeitador e inteligente como este romântico, peça licença para se qualificar, vá correndo para o fogão, pegue o livro de receitas da sua avó querida e aprenda o ofício da culinária. A obrigação de cozinhar é nossa.

Mas calma, existe uma cláusula no contrato entre os sexos opostos que diz: “a mulher só pode ir para a cozinha se assim quiser. A obrigação é do homem. Mas se assim a generosa fizer, agradeça e aprecie com atenção.” Um dia, se mantendo na linha, o chegado pode ganhar ese regalito de su amada. Só não esqueça de contemplar esse momento e se dispor para a tarefa de cortar as lacrimosas cebolas, meu caro.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Elegia*

Um último cigarro antes da chuva cair, essa chuva que cai todos os dias, no mesmo horário, que me faz rir com desgosto. Ela costumava falar que em Londres chove todos os dias, perto das cinco, e os londrinos combinavam encontros sorridentes dizendo “antes ou depois da chuva?”. Como se tivesse alguma graça nisso eu ria junto com ela, porque não havia graça em coisa outra que fosse ela, então me ria dela, e junto com ela, sentindo uma eternidade de certeza afável e certa. Mas agora eu ria com desgosto, porque isso aqui não é Londres, é só um canto perdido onde me escondo. E ela não tece mais esses comentários absurdos porque ela não está mais aqui, sabe lá onde se esconde, tão longe de mim. O medo velho-novo perpassou meu peito enquanto eu atravessava os corredores, incerto, e cheguei ao elevador sentindo a velha ardência na garganta, o choro contido, a explosão de tudo que dói. Ainda. Ela já tinha ido há muito tempo, mas eu nunca soube afirmar com certeza quando eu a havia perdido, é claro, eu a havia perdido antes dela partir, não me resta dúvida. E eu nunca soube afirmar como foi que a perdi, logo ela, sempre tão minha, como se eu de fato a tivesse comprado naquela noite potencialmente fria em que perguntei, singelamente, se podia comprá-la somente para aquela noite. Depois a libertaria, embora não o quisesse verdadeiramente. Ela sorriu e disse que não carecia de depósito, de valor algum, pois não se compra o que não se pode pagar, sorrimos juntos e o céu se abriu, e a noite ficou quente e segura como era quente e seguro o hálito dela, que provei pouco antes de beijá-la. E logo depois ela sorriu, era dada a sorrir da vida, era feliz. Ela sorria e assolava meu peito pretensamente infeliz, a coisa pseudo-depressiva que eu afirmava sem ter porquê, afinal de contas quem haveria de ser infeliz tendo a ela como guia? Talvez por isso ela me tenha deixado, eu vivia a chorar enquanto ela conseguia se rir e rir de mim e rir de tudo que lhe competia. E o que ela não conhecia fazia questão de deixar às margens, para bebericar quando desse sede, e se desse sede, mas sem se afogar jamais. Porque ela sempre soube a medida do próprio coração, enquanto eu julguei ser o meu maior do que era, e o dei a ela sem saber que dele ela não precisaria. Saí do elevador desejando a morte próxima e, senão indolor, menos dolorosa que aquela sobrevida que eu tinha agora, agora que ela não estaria em casa a me esperar, com um café preto e Billie Holiday. E sabendo que eu não a beijaria ao chegar e não sentiria teu perfume, aquele perfume que estava sempre nela, e mesmo sabendo que era perfume eu teimava em dizer que era o cheiro dela, porque aquele cheiro nunca saía. Caminhei num caminhar incerto e vacilante até a minha mesa, onde ainda jazia uma fotografia dela, de tempos melhores e felizes, onde o sol fazia o seu percurso num ritmo mais lento para que os nossos dias não findassem depressa sem nos dar a oportunidade de viver um pouco mais. E pude ouvir o riso dela quando me ligava só pra dizer que já sentia minha falta, e que estaria a me esperar, e por Deus, como ela me amava. “Quando foi que nos perdemos?”, ela me perguntou num misto de choro e raiva na última ligação, e eu fiquei calado, porque não havia verbalização praquilo que eu tentava não sentir. O telefone tocava mas eu não queria atender, porque eu sabia que não seria a canção dela, a canção da voz dela a me cantar tudo que de mais belo havia. E quando foi que eu a perdi, nunca soube. E o tanto que a amei, jamais pude mensurar, porque não havia medida. Sabia só que não tinha mais vida e nem sangue e nem suor, era só aquilo, aquela coisa morna de requentar, sem brusca poesia. Era só eu e eu só, e nunca me fui a melhor das companhias, especialmente depois dela. E eu tentava homenageá-la em palavras que fugiam sem alcançá-la, eu tentava senti-la sem que ela estivesse. E desde que a perdi eu não sentia mais nada. Mas a fotografia dela na minha mesa sorria, e isso era quase viver.

*Texto de Daniela Andrade, mais uma romântica desta badalada Confraria.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Tic-tac



2h e 15 marcava o relógio velho e descompassado que contrastava com os móveis da sala e a palidez do meu rosto. Minha respiração nada tranqüila, minha mente a mil trabalhava para esquecer que um dia fui tua, que um dia me pertenceu.
Tentava esconder-me nos becos escuros, mas relembrava a tua face sempre que fechava os olhos. Dias e dias sem te ver, para ti algumas horas. O frio me fazia lembrar que não estava ali, eu me remexia inquieta, mas ávida por adormecer. Já não era eu quem velava teu sono, já não podia te ter e de companheira só a solidão.
Como era custosa aquela noite, relembrava o dia em que te vi nascer no meu peito, tentava esquecer-te, mas me traía. O primeiro convite, os momentos em que ríamos juntos um mesmo riso, e o cheiro, ah o cheiro! Esse havia ficado nas roupas de cama, nos livros, era tudo que restava de ti.
Olho pro lado e te vejo, mas já não estás presente, já não sou eu quem dá corpo aos teus versos, nem desejo aos teus sonhos mais íntimos. Olho pra parede, o relógio ainda marca 2h e 15, essa noite o tempo também não passou para ele, já não quer trabalhar, e nem eu, me entrego à dor e deixo que ela passe por mim.

terça-feira, 16 de março de 2010


Aquele lugar secreto que existe entre nossos olhares
Consola a distancia que há entre nós
Quando perto, as palavras fogem a boca
E relutam em forma de sorriso:

Por isso

Vejo-me louco, por louco ser
No simples achar querer
De segurar sua mão
Como forma de gratidão
Por me fazer tão bem

Digo

Desculpe-me por sonhar
Do teu beijo, esperar
Dos teus sorrisos, ser pretexto
Nos teus braços, aconchego
Por esse dia almejar

És tu

A canção mais bela
A inspiração do poeta
A aliança que espero
Que nas orações
Sempre peço

A completar

A conexão dos corpos
O namoro dos laços
Jazer nas lágrimas
De dor ou de tristeza
No calor ou na frieza

Meu ser

Se consola em escrever
Pois quem sabe assim
Ela repara em mim
E dos olhares em segredo
Vire namoro verdadeiro

domingo, 14 de março de 2010

Parque

Antigo, porém atual...

Na gangorra
Da vida
A paixão me levou
Brincou de gostar
E de tanto gostar
...
Desgostou.




Thaís Carvalho

quarta-feira, 10 de março de 2010

Doce Abismo



Amo-te sem motivo
De incomum forma
E assim sem norma
Tenho o sentir ativo
De forma prestante

Amo-te como amigo (se quiseres)
E se fizeres questão
Amo-te com paixão
Nutrindo cá comigo
Dos amantes, a chama constante

Se um dia essa brasa
Ficar de todo fria
E amizade for rasa
Distante, vazia
Meu amor mais profundo será
Escoará para o abismo
Que sem aviso
Entre nós se formar

segunda-feira, 8 de março de 2010

Arsenal de Afrodite*




Dentre tudo que ao coeur viril entorpe:
Idiossincrasia. O corpo e o que o encobre.
Tez, olhos, boca, voz
Cílios, brilhos, lábios, gloss
Pernas, pés, braços, mamas
Unhas, dedos, gestos, aromas
Bunda, cóccix, leveza
Ventre, língua, beleza
Queixo, dentes, pêlos
Toques, beijos, cabelos
Calças, saias, vestidos,
Ombros, ancas, umbigo
Shorts, Curtos e Mini, enfim,
Joelhos, pescoço, carmim
Virtudes diversas e ações
Amabilidades, dissimulações
Manhas, dengos, carícias,
Brigas, Dr’s, delícias
(e antes que eu me esqueça)
Dores de cabeça,
Astúcia, Inteligência,
Censo, Indulgência,
Do desejo o leme,
Da vida o leque atento,
Um pouco de TPM,
Um colo de alento.
Maternidade;
Diversas idades
Saudades.
Armas, muitas das quais
São brancas, de paz.
E no centro do arsenal
A Arma principal,
Forjada com doce ardor,
Das mãos do Criador
A arma que desarma.
O amor.

*Denner Guimarães Lopes

Turismo Amoroso


O amor é um fogo que arde sem se ver. Usamos essa máxima de Camões para justificar a análise de um segmento econômico ainda não estudado: O turismo amoroso. Diversos outros já têm suas denominações catalogadas, com números fixos, previsões de taxas de crescimento, essas coisas bem objetivas que são exibidas nos jornais e aprendemos a gostar.

Reivindicamos que o turismo amoroso seja reconhecido e ocupe o destaque que lhe é devido, afinal, nenhum outro segmento é capaz de fazer com que o turista antecipe férias, atrase a hipoteca da casa, o financiamento do carro, brigue com a família, com o chefe e muito mais, para viajar longos caminhos única e exclusivamente por alguns dias de felicidade.

O turista amoroso não mede distâncias, nem meio de transporte, tampouco se importa com o café-da-manhã servido no hotel barato, para ele não existe alta ou baixa temporada, e todo dia será de praia cheia e cerveja gelada.

Nada de turismo cultural, afinal, o turista amoroso tem seu próprio monumento, sua esfinge egípcia, seu museu com caráter futurista, ele tem seu próprio ritual, seja em Macapá ou em New York.
Ele é a personificação da ganância por proximidade, sem planejamento algum se dispede das deusas webcams sem resolução, dos MSN’s e das tarifas absurdas do interurbano, e vai à busca do “ao vivo e a cores”. Camões nem sonhava com internet ou trem-bala, mas sapecou de lá essa verdade: “o amor é um fogo que arde sem se ver” e arde até mesmo a longas distâncias.

sábado, 6 de março de 2010

Permissão


Permita que eu me sente
Ao teu lado
E te ouça,
Mesmo calado
E te diga
Coisas minhas
E te beije
Nas entrelinhas
Agora!

Depois, eu me levanto
E vou embora.




Thaís Carvalho

sexta-feira, 5 de março de 2010

Junto ao teu*

Meu peito ficou um tantinho apertado
Não só pelo tempo aflito que aí está
Não só pelos dias que correm calados
Não só pelas tantas vidas a findar.
Por mais que exagero meu assim pareça
E eu tenha de concordar essas coisas dão dó
(e se explicam por si)
Por mais que o meu peito padeça
O motivo maior é a falta de ti.
És tu que nesse tempo tão fulgaz
Tão fútil, sem nenhuma novidade
Tens feito poesia tão veraz
Com belas flores, cheias de saudade
Não ouses duvidar por um momento da afeição
Que eu trago, e que me traga sem reservas
Pois dou-te sem demora o meu pulsante coração
Que embora ainda meu,
Tranqüilo fica
Quando o levas junto ao teu.


*Música de Denner Lopes - Cada dia mais membro desta confraria

quarta-feira, 3 de março de 2010

Mulheres complicadas e encantadoras


Das mil qualidades que ele procurava, ela possuía novecentos e noventa e nove, o único defeito era um pequeno desvio no olhar que o incomodava profundamente, nada de mais para quem até então colecionara um arsenal de decepções.

Ele a quis por muito tempo, a esperou por um tempo maior ainda, mas a regra é clara: mulheres encantadoras são complicadas. Há teorias que tentam explicar esse fenômeno, e a melhor delas afirma que ao reunir um rebanho de qualidades como: inteligência, honestidade, beleza e humildade de algum modo provoca nas leis da metafísica uma reação natural (complicated como diria Avril Lavigne) que não permite a perfeição.

Sob essa reação, a indecisão foi o principal efeito colateral. Ela já não conseguia decidir-se entre o vestido vermelho ou o preto, entre o teatro ou o circo, entre a mesmice e o novo, e era necessário. E assim foram empurrando com a barriga, entre um afago e um chá de sumiço, entre sonhos e projetos paralelos, entre o hoje e o futuro promissor.

O final da história não é conhecido (inocência nossa pensar que seria fácil), mas esse recorte da realidade nos permite dizer que a ávida vida é mesmo uma grande ironia, quando se tem tudo é possível que não se tenha nada.

Romântico a la Macondo*

No meu primeiro texto publicado nesta confraria fui apresentado por meu amigo Helder como romântico e confesso que isso teve certo impacto sobre meus pensamentos. Primeiro gostei, soou como elogio, até mesmo me envaideci, mas depois senti que não era digno de tal atribuição fiquei tentado a pedir uma correção, afinal, nunca me defini desta maneira, contudo, foi aí que indaguei: O que define o romântico?

Nessa confusão mental/emocional/intelectual tentei esboçar alguns significados e, assim, eu rejeitei e aceitei a atribuição dada alternadamente a cada hipótese que eu formulava sobre o que é ser um romântico. Mas enfim fui caindo em mim, recobrando de certa forma a razão conceitual das coisas e encontrando algum norte.

A contragosto meu a primeira imagem que me vem à cabeça quando ouço a palavra “romântico” é um buquê de rosas ou um par de alianças ou ainda aquele presentão surpresa e, apesar de conceber tal associação como uma grande bobagem muito distante do romantismo real, esta vinculação é quase sempre irresistível. É como um pensamento reflexo, uma reação automática, como o cachorro que saliva só de ver a comida. Pode até ser que tal reflexo se explique pelos anos de novela que acumulei (e tenho certeza que nesse Brasil não somente eu carrego essa culpa), mas o fato é que essas cenas da ficção se reproduzem também na vida real, e pior, nós muitas vezes nos contentamos com elas.

Certa vez vi uma colega de trabalho ganhando de seu “romântico” marido um lindo buquê de rosas vermelhas, que não foi entregue por ele em casa, mas pela floricultura no trabalho, enfim, todas as mulheres do escritório viram naquele gesto uma linda declaração de amor, permeada de romantismo, elas inclusive, tenho quase certeza disso, sentiram uma pontinha de inveja. Vi a mesma cena que todos, mas talvez não com os mesmos olhos, me desculpem elas, pois não observei nada demais, para falar a verdade até reprovei, claro que comigo mesmo. Fiquei me perguntando “Eles se conheceram no trabalho?” “Será que o marido dela viajou e não pôde entregar com suas próprias mãos” ou “Deve estar em uma cama de hospital acometido por doença grave?”, eu na verdade sabia a resposta para todas essas perguntas, que era não. Mas é que para mim, compreendam amigos leitores minha ranzinzisse, nada justificava o local escolhido para o jubilo, afinal essa simples opção territorial subvertia a lógica do amor, não que eu não goste de trabalho, mas o escritório não era o melhor lugar para o amor de dois pombinhos apaixonados. Tal evento me fez refletir sobre a verdade daquela e de outras atitudes e me perguntei: Será o romantismo um jogo de aparências em que, nesse caso, o objetivo era as amigas verem e invejarem uma condição que podia nem ser real?

Definitivamente não acredito nesse romântico, vejo em atos como este um esforço de materializar o afeto numa tentativa de parecer o que não é ou de aparentar muito mais do que existe realmente, num processo de convencimento do outro e às vezes de si mesmo. Identifico nisso um mecanismo compensatório em que na falta de afeto se utiliza os símbolos deste, como se eles fossem capazes de substituir, não podem. Esta tentativa de dissimular a si e ao outro revela uma série de vazios, como bolhas, dando a sensação de que o amor é bonito cheio de fitas cintilantes e belos embrulhos, todavia oco de significados. Isso tudo parece um espelho de nossa sociedade atual, não a toa nunca se viu tanta depressão, ansiedade e pânico, considerada por psicólogos e psicanalistas as doenças do vazio.

De modo geral, não me contento com clichês, eu os acho atalhos bem pífios de reflexões verdadeiramente sérias, e por isso nessa pequena odisséia para definir o romântico acabei rejeitando a idéia de romantismo como ligado ao amor de vitrine ou das lindas histórias novelescas e hollywoodianas e, trocando em miúdos até para ficar menos alegórico, descartei a idéia do amor incondicional e idealizado com a pretensão de excluir tudo que é estereotipado sobre os sentimentos que unem duas pessoas. Resultado, descobri que há um universo de possibilidades, muito rico para utilizarmos sempre as mesmas expressões e idéias sobre o que é o amor.

O amor não é colorido e bonito, não acredito nem em sininhos tocando nem em borboletas no estômago. O amor é simples, e não tem forma nem cor, e romântico por sua vez não é aquilo que se caracteriza por irracional e desvairado, é o dia-a-dia é o que nem sabe se porque e como, é o que se sente quando há saudade, quando se pensa que perdeu, é quando se ganha, é o cuidado, é o olhar, é o pensar, é o pedir em namoro, é o reatar e em alguns casos é até mesmo o terminar, é quando se olha pra trás e pensa valeu a pena ou para o presente e pensa vale a pena. Romântico pode até mesmo ser, como disse a Daniela, ver o sangrento UFC, porque não tem a ver com a luta ou o evento em si, mas com a relação em que tudo é detalhe e símbolo do que realmente constitui o amor.

Vejo o romantismo muito mais no cotidiano, no simples e no rotineiro do que no extraordinário, e engraçado que dessa forma começo a achar que o simples é que é extraordinário, como na Macondo de Gabriel Garcia Marquez em que essas coisas se misturam de tal modo a fundir-se numa só e aí já não se sabe direito o que é o que.

O autor dessa croniqueta é João Vianna. Ele acaba de descobrir e catalogar com seu próprio exemplo um grande achado antropológico para o romântismo: o espécime denominado "romântico a la Macondo".

segunda-feira, 1 de março de 2010

Tratado Geral do Ciumete – Parte III: Ciúme é a miopia do amor

Eis que me vejo numa daquelas conversações entre macho e fêmea, onde ambos querem pular a burocracia amorosa, mas, por convenção humanista, considera-se de bom grado tentar encaixar uma habilidosa conversa fiada. Eu, doido pra sentir aquele cheirinho de perfume doce aliado – muito bem aliado, por sinal – àquele beijo temperado com mordidas levianas, me encontrei obrigado a dissertar sobre o que era “ciúme” na visão helderiana da coisa.

A bem da verdade foi ela que se lançou primeiro no erro de abordar o que até mesmo Aurélio Buarque teve que se virar nos 30 pra conceituar. “Acho que ter ciúmes é normal, todos têm que ter”, afirma a perversa. “É... por um lado concordo, mas não considero fundamental”, repliquei como um ateu carregado das opiniões formadas. Mas aquilo ficou girando na minha cabeça. Como pode alguém defender o cactos do ciúme? E por que diabos essa maldição da ciumeira crônica não perdoa nenhuma classe social, emprego, gênero, raça, entre outras sub-divisões pós-capitalistas?

Foi então que arquitetei a seguinte questão: para se ter aquele egoísmo exagerado sobre a parceira, não é quesito obrigatório a provisão de beleza. Em miúdos, os feios, além de amarem, arrumam tempo na agenda para se enciumarem. Vocês enxergam, com o perdão do trocadilho, a beleza disso?

Quando moleque, no bar do saudoso Helder I, vulgo meu pai, lembro de um episódio peculiar que ilustra bem essa verdade. Entre os fregueses mais fiéis, havia um mineiro daqueles detentor de uma prosa boa, mas de um fígado que provavelmente deplorável, em razão das doses cavalares de cachaça que ele entornava. Mas o sujeito era muy de buenas. Como este escritor não devia ter mais do que 10 anos, não podia se aprofundar nas “conversas de adulto” entre ele e meu velho, sendo que tinha que apurar tudo baseado no rumo dado por eles pra confabulação.

Certo dia, a senhora desse senhor resolveu dar o ar da graça no estabelecimento e interromper uma das tradicionais horas de lazer etílico do mineiro. Que me desculpem os puritanos leitores deste blog, mas o adjetivo que melhor definia aquela donzela era “escangalhada”. Chegou berrando no boteco que o cidadão devia tomar vergonha na cara, entre outras questões moralistas. O cristão levantou da cadeira e partiu pra cima da dona. Pegou-a pelo braço e resmungou: “Vamos pra casa, Rita! Aqui só tem homem e estão lançando olhares de gavião pra cima de você.” Até hoje me pego imaginando se ele hablou sério. Se alguém fitou a mujer do cabra, foi com a dúvida de quanto ela cobraria pelo serviço de assustar um quarto de 5m². O fato é que a cena de ciúmes me fez notar que os mal-diagramados também são objetos de posse.

Se o amor é cego, o ciúme é a miopia, a catarata que nos faz pensar que nuestra amada, independente de ser uma Scarlett Johansson ou uma Ruth Ronsi, sempre será a última bolacha água e sal do pacote. Diga lá se isso não é romântico? Então, dou o braço a torcer: ciúmes, você é um mal necessário para todos.

Desaprendizado

Começando a conversa: esse talvez seja o primeiro texto declaradamente pessoal que publico em um espaço que não seja o meu bloguinho, meu cantinho escondido onde falo abertamente de mim. Claro que, dentro do meu entendimento de literatura e partindo do pressuposto de que sou uma literata, muitos dos textos que escrevo, embora ficcionais, têm relação comigo ou com vivências que experimentei. Mas, nesse post sincerista, não vou me travestir de literata. Sou eu, palavra por palavra. Fácil não é. Uso a literatura justamente para falar de mim sem me expor. Mas como o espaço é dedicado aos românticos incorrigíveis, me sinto à vontade, é quase como conversar com a melhor amiga.

Sendo um texto sincerista, o estilo também é o sincerismo. Escrevo como falo, como sinto, sem preocupações maiores com o vernáculo. Principalmente por saber que, quando há sentimento, quem também sente entende, e isso independe da forma como é dita. Basta sentir.

*

Estou há quase quinze dias sem ver meu namorado, fato que não ocorre há mais de um ano. Difícil, sabem? Ser dividida em duas cidades sempre faz do período de férias um drama.

Passar tanto tempo longe da cara persona acabou me proporcionando diversas epifanias, coisas que tinha ignorado até então e surgiram em momentos de olhar pra dentro. Descobri que, ao contrário do pressuposto comum de que com o amor se aprende, eu desaprendi uma série de coisas.

Descobri que tenho medo de andar sozinha à noite. Eu, que sempre curti a noite (entendam, eu disse a noite e não a “nigth”), que sempre caminhei sozinha à noite pra pensar, que andava mais de dez quarteirões com a melhor amiga depois das dez da noite só pra botar a conversa em dia, tenho medo de andar sozinha à noite. Percebi isso ontem, enquanto voltava pra casa saindo da casa de um amigo. Porque há mais de um ano, quando eu volto pra casa, meu namorado tá no banco do passageiro do carro. E parece que só a presença dele garante minha segurança e bem-estar. Não, não me sinto uma mulherzinha indefesa e não vejo nele o guerreiro medieval que vai afastar os monstros na noite escura. É só aquela reação mecânica de pensar que, se algo acontecer, não vai ter ninguém do meu lado pra ajudar. Também não significa que antes eu me sentia Highlander. É difícil explicar. Mas, resumindo: antes dele, eu andava à noite sem medo.

Descobri também que não sei mais dormir em cama de solteiro. Sozinha, então, é terrível. Descobri numa noite fria, e não só por me faltar o cobertor de orelha, aquela coisa de dormir abraçadinho e tal. Ilustrando: sempre durmo com o ar-condicionado ligado. E há sempre aquele momento, no meio da madrugada, que o frio do ar aperta. Quando isso acontece e quando estou com ele do meu lado, me basta dizer “amor, tou com frio”. Em um minuto – às vezes até menos – o ar já está desligado, ele já ajeitou os cobertores e já me abraçou daquele jeito dele que me deixa mais aquecida. Parece romance, né? É bem piegas, né? Talvez até seja. Mas quando você acorda no meio da noite morrendo de frio e leva cinco minutos pra perceber que a cara persona não está lá pra desligar o ar-condicionado, fechar a janela, virar o ventilador pro outro lado, ajeitar os cobertores ou dar aquele abraço, qualquer coisa que demonstre que seu incômodo incomoda também aquele a quem ama, quando você acorda no meio da noite e percebe que não tem ninguém ali do lado que cuide de você, dá um aperto, ó. Uma vontadezinha fajuta de chorar, chorar de saudade porque você se pega pensando se a outra pessoa também está em casa rolando na cama sem conseguir dormir, porque de repente aquela cama ficou enorme demais.

Descobri que todos aqueles rituais matinais vistos nos filmes estão apenas lá, nos filmes, mas que ainda existe uma maneira de amanhecer ao lado da pessoa amada sem perder a ternura. Abraços, desejos de bom-dia, mais abraços, ele se levanta pra se preparar pra sair (eu me dou ao luxo de ficar na cama até as onze). Toma um banho, come alguma coisa – se o horário permite – e sempre antes de sair me dá um beijo, um abraço e me deseja de novo um bom-dia. Às vezes diz que vai tentar resolver o que tem pra resolver e voltar, e se volta, me traz coxinha de frango e Baré, café da manhã dos campeões. E assim eu desaprendi não só a dormir sozinha mas, obviamente, a acordar sozinha, e meu humor oscila durante o dia se não tenho nosso rituais matinais. É como se a ausência do desejo dele de bom-dia acabasse influenciando no meu dia de fato, deixando ele bem meia-boca.

Descobri que assistir a competições de artes marciais sem ele também não tem graça nenhuma. E olha que eu adoro artes marciais. Sempre assisti ao UFC, campeonato de MMA (mixed-martial-arts, o antigo vale-tudo), mas com ele tudo fica tão mais engraçado e divertido, sabe como? Porque não é só assistir ao evento. É deixar de sair num sábado à noite, comprar umas cervejinhas e acompanhar com fervor religioso os competidores se matando numa gaiola – e o amor tem dessas coisas, de transformar em poesia um esporte violento. Tentei assistir ao UFC sem ele durante as férias, mas dormi durante o primeiro round da primeira luta. E isso nunca tinha acontecido antes dele. Com ele, então, impossível. Porque ao menor cochilo eu acordava assustada ao som de “pega, puta! Dá na cara dele! Joelhada, joelhada! Muito foda, muito foda!”. Claro que é incrível descobrir, no meio de tanta gente, alguém com tanta afinidade para as coisas menos prováveis, como o MMA. E quando se encontra, parece que não dá mais pra dissociar. Daí a gente desaprende a acompanhar se a pessoa não está por perto, pra fazer com que o gosto pela coisa faça sentido.

É claro que todo esse processo de desaprendizado leva a pessoa a aprender coisas novas. Aprendi e aceito a condição de lembrar dele ao ouvir heavymetal, e por lembrar dele, de sentir saudade de ouvir heavymetal. Aprendi a perder uma tarde inteira assistindo ao desenho animado preferido dele (Flapjack, recomendo, passa no Cartoon) só pra ter a impressão de que estamos juntos em casa e eu o observo rachar de rir enquanto assiste. Aprendi que saudade dá pra se matar assim, aos poucos e com pequenas coisas, enquanto não chega o momento de estar junto de novo. Aprendi que o meu lugar preferido do mundo é o peito onde ele me abriga, ainda que à distância, ainda que quebrada em duas cidades, e acredito no poeta que diz que deve haver um porto¹.

Assim como pude descobrir, à la Orkut, o que aprendi com os relacionamentos anteriores (impossível deixá-los de lado, sou feita de memória): o amor é cigano. Caminha, caminha, caminha, tece trilhas e mais trilhas até o local perfeito pra se parar e descansar. The long and widing road that leads to your door². O longo e sinuoso caminho que me levou até a porta dele.

1 – Caio Fernando Abreu
2 – Lennon & McCartney

Texto de Daniela Andrade. Trata-se de réu reincidente, ou seja, mais uma romântica inveterada.