terça-feira, 24 de julho de 2012

Cena 03


Leia antes: cena 01 e cena 02

Essa coisa toda de trilha sonora acabou surtindo efeito, mesmo que independente da minha vontade. Dois anos se passaram e nunca mais ouvimos falar do ex-noivo que a abandonou no altar, e se o universo não viesse em meu auxílio eu mesmo tratava de criar uma possibilidade de trilha sonora pra ela. Dava trabalho, às vezes, mas eu sempre conseguia arrancar o sorriso que me transformava em refém. Era feliz com ela. Os dias eram bons. Às vezes ruins, brigávamos muito no estádio, o que me fazia amá-la ainda mais. No escritório também tudo corria da melhor maneira possível, tanto que achava que em breve chegaria um convite pra uma sociedade. Fazia sentido: eu era competente e fazia a filha do chefe feliz.

Até que veio São Paulo.

Foi um pedido especial do pai dela, e eu não podia negar. Mas ao mesmo tempo não queria deixá-la – fazia pouco tempo que morávamos juntos e eu me sentia miseravelmente feliz por acordar e ter aquela mulher na minha cama. Mas era trabalho. Um trabalho a pedido do chefe. Era a minha sociedade acenando, do carro, me perguntando se eu não ia entrar. Entrei.

Os primeiros seis meses foram tranquilos: nos víamos todo final de semana. Quase sempre ela vinha, e eu transformava o aeroporto numa cena clichê de filme de romance só pra ela. E ela adorava, e dizia aos meus amigos paulistanos que era minha musa. E era. Nunca fui um cara de relacionamentos longos, e de repente percebi que queria ficar com ela o resto da vida.

Percebi que queria me casar. Era isso. Na igreja, com a pompa devida, ela no altar me esperando.

Um dia, andando na rua, parei pra olhar a vitrine de uma joalheria e vi o anel. E sabia que ficaria perfeito nela. E sabia que ela adoraria. E comprei. Mas ela não veio nesse fim de semana – ligou na sexta pela manhã dizendo que tinha uma reunião de última hora no escritório e não poderia ir. No final de semana seguinte ela também não pôde ir. E no outro, e no outro, e assim se passaram dois meses sem que a gente se visse. Pensando hoje, nem lembro mais quais eram os motivos da ausência, mas eram coisas tolas a maior parte das vezes. Passíveis de serem contornadas. Me ressenti pela falta de esforço dela, e obviamente responsabilizei minha própria ausência. Então conversei com o chefe e ele me deixou voltar.

Ela não foi me buscar no aeroporto, e quando cheguei em casa ela não estava. Tinha um bilhete dizendo que estava com o pai e não demorava. Ótimo, pensei. Dá tempo de comprar umas flores e velas e sei lá mais o quê pra fazer o pedido. Daí percebi que, muito embora fosse bom na parte da trilha sonora, essas coisas de pedido de casamento eu não sabia como funcionavam. Fiquei horas pesquisando na internet, até que ela chegou. De imediato, senti que havia algo de diferente nela. Me deu um peso no estômago, e na hora eu não soube precisar o porquê. Só senti.

__ Você tá tão diferente – eu disse, depois de um beijo.
__ Impressão sua. É que faz tempo que a gente não se vê.

Mas a sensação permaneceu. E nos dias seguintes, se intensificou. Ela havia mudado. E havia uma gravidade nela, um peso, algo que ela não costumava carregar.

__ Já sei o que aconteceu com você?
__ Como assim?

Ela pareceu alarmada.

__ Seu perfume. Você mudou o perfume.
__ Ah. É verdade.
__ É o perfume que você usava naquele dia que eu te conheci.
__ Deus, você lembra disso?
__ Lembro. Apesar do cheiro da cachaça ter sido bem marcante também.
__ Hum.

Esses “hum” também eram coisa nova. Lembram da gravidade a que me referi? Juntem com ausência e silêncios.

__ Por que você voltou a usar esse perfume?
__ Não sei. Acho que enjoei do outro.
__ Eu preferia o outro. O que eu comprei pra você.
__ Pois é. Eu também gostava muito dele. Mas fiquei com saudade desse aqui.
__ Hum.

Ela sorriu, pela primeira vez em dias. Mas veio diferente, e me feriu.

__ Posso perguntar o que há de errado?
__ Nada. Por quê?
__ Você está diferente. Disse isso assim que te vi e tenho razão. Cadê minha mulher?
__ Besteira, Filipe. São coisas do trabalho.
__ Bom, trabalhamos juntos. Você pode me dizer.

Ela parou com as anotações que fazia e me jogou aquele olhar escrutinador, o mesmo da primeira cena.

__ Amor, meu pai acha que é melhor você procurar outro escritório.
__ O QUÊ?
__ É. É por isso que eu estou assim. Ele me pediu pra dizer isso, mas eu não sabia como.
__ Ele...ele ao menos disse o porquê?
__ Bom...ele acha que não pega bem, visto que temos um relacionamento. Os outros arquitetos reclamam de privilégios e tal. Você pegou a maior conta da empresa.
__ A de São Paulo? A que eu não quis?
__ Amor...
__ Olha...essa eu não vi chegar. Mesmo. Pelo contrário, achei que seu pai me ofereceria sociedade depois de São Paulo.
__ Ai, Filipe. Sei nem o que dizer.
__ Nada. Não precisa dizer nada.

Saí pra beber e voltei já com a madrugada dentro. Ela não estava em casa. Novamente, um bilhete dizendo que tinha ido dormir na casa do pai. Celular desligado.

Enterramos o assunto pelos dias seguintes, e eu decidi propor casamento logo de uma vez, visto que agora nem o trabalho seria problema. Comprei flores (margaridas, as preferidas dela, que odiava rosas) pra casa. Pensei em mandar pro escritório mas ela ia achar brega. Comprei velas mas não acendi nenhuma, pois me passou a impressão de funeral. Só fiquei sentado no sofá esperando ela chegar do trabalho, o anel no bolso esquerdo e a mão pingando suor frio.

Ela chegou com ar cansado e aparência de quem tinha chorado. Eu a abracei e ela chorou ainda mais. Perguntei o que havia e ela voltou a dizer que nada. Pedi a ela que tomasse um banho quente pra relaxar, que depois eu precisaria conversar com ela. O banho durou, sei lá, 326 horas. E ela não saiu relaxada, pelo contrário. Os olhos estavam ainda mais inchados e vermelhos.

__ Filipe, tenho que te dizer uma coisa.
__ Eu também.
__ Por favor, me deixa falar primeiro.

Ela se sentou ao meu lado e segurou minha mão.

__ Por favor não me odeie.
__ O que houve?
__ Ah...por onde eu começo? Filipe, eu sou horrível.
__ Por favor não diga isso. O que aconteceu?
__ Lembra meu ex-noivo?

Imediatamente soltei a mão dela. Em um microssegundo tudo, absolutamente tudo fez sentido.

Ela voltou a chorar e contou que esteve com ele todos os dias nos últimos três meses. Que não sabia como tinha acontecido, mas tinha acontecido e era o que ela queria pra ela. Que foi covarde em não me dizer, que não devia ter se afastado, mas não soube o que fazer. Que eu era uma pessoa muito boa e tinha sido um grande amigo pra ela, mas ele era o amor de sua vida e ela tinha certeza disso. Que pediu ao pai que me afastasse da empresa porque não conseguiria trabalhar comigo depois do que me fez. Falou mais um milhão de coisas que eu simplesmente não ouvi, porque cada palavra me matava um pouco. Só não pediu perdão, nem uma única vez. Minha mão já tinha parado de suar, mas tremia. Ela pedia pra eu olhar pra ela, e eu não conseguia. Tirei a mão do bolso, o porta-jóia molhado de suor.

__ Eu ia te pedir em casamento.

A música começou, como eu tinha programado, e eu não podia suportar. Me levantei e bati a porta atrás de mim. Parei por um segundo no corredor, a respiração suspensa. Pra nada. Ela nunca veio me chamar.


terça-feira, 17 de julho de 2012

Tanto


Quero todo dia
Sua companhia
Ter a sua voz
Ao pé do ouvido
Ter o seu olhar dentro do meu
Esse amor constante vivido
Por você e eu.
Te amo tanto é o que vou dizer
Com os seus dedos entre os meus
Quero acordar e dormir vendo você
E nunca mais ter que dizer adeus.


Thaís Carvalho

Férias de nós


Nada nesse mundo me dá tanto trabalho quanto controlar borboletas destrambelhadas no estômago. Especialmente as nascidas por tua causa, com esse quê de mutantes, sanguessugas, chupa-cabras. Desse modo, só por isso, pelo cansaço de ter de andar na contramão para te acompanhar, correndo riscos demasiados, resolvi tirar férias tranquilas de nós. Devo confessar que também é árduo o trabalho de me conter para não te fazer provar do próprio destempero. Para não me igualar a ti, como se eu pudesse tirar férias de mim, resolvi tirar férias de nós. Mas, tão fatalmente obvio, aonde eu vou, estou. Aonde eu vou, estamos. E, em se tratando de saudade, quando os olhos não veem é que o coração sente. Agora preciso te dizer que não há borboleta no estômago, mutante ou sanguessuga, que resista a azia causada por tua constante acidez. Eu sei, parece mais acertado chutar o balde antes que ele fique cheio demais. Passamos da conta, tudo bem. Quando você passou a dizer "Madalena, quando o stresse é maior que o prazer, não vale a pena" eu percebi que sempre fomos, um para o outro, como aquele sapato lindo que no pé nunca coube, e mesmo fazendo tanto calo a gente resiste em desapegar. Então decidi, pra desanuviar as ideias, que pelo trabalho exacerbado de se manter vivo o que nunca nasceu, precisamos de férias eternas. Férias das brigas. Das reconciliações. Do que somos. Das lamentações pelo que não somos. Das borboletas mutantes. De nós.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Cena 02

Essa série de textos se baseia em sonhos que tive, que acabei condensando numa historinha de amor. A primeira parte você encontra aqui.


Dias depois recebi a ligação do escritório dela marcando uma nova reunião. Obviamente achei que tinha algo estranho, pois a primeira reunião tinha sido marcada por ela, pessoalmente, e fora do escritório. Talvez ela não estivesse à vontade, e provavelmente eu não ficaria também, se assim o fosse. Mas eu precisava do contrato. E tinha pensado nela somente uma vez por dia desde então. Valia a pena tentar.

A reunião foi numa quarta à tarde, e tinha umas quatrocentos e cinquenta pessoas na sala. Não, éramos só nós dois e a secretária, e o pai dela numa videoconferência. Obviamente achei que ela estava evitando ficar a sós comigo, e me fechei em copas. Talvez não quisesse que ela soubesse que pensara nela, ou que o incômodo dela me incomodava. Assim permaneci até o fim da reunião, quando ela me convidou pra um cigarro.

__ Te achei bastante...misterioso hoje.

__ Misterioso? Hahaha...não, estava apenas concentrado.

__ Hum. E como vai tudo?

__ Bem tranquilo. É...como eu me saí? Será que consigo o contrato?

__ Ah, sim. Imagino que sim, deu tudo certo lá dentro. Meu pai pareceu gostar de você. Amanhã a Susi te liga pra dar a resposta.

__ Hum, ok.

__ É...sobre o outro dia...

__ Não, não precisa. Não vamos falar disso não.

__ Mexeu comigo, sabe?

Olhei pra ela surpreso e quase engasguei com a fumaça do cigarro. Eu conseguia ser bem ridículo às vezes.

__ E?

Ela ficou em silêncio por um instante, depois me olhou com um meio sorriso.

__ E eu liguei pro meu noivo no dia seguinte. Sem lágrimas, sem álcool, sabe?

__ E?

__ Daí nos encontramos à noite. Conversamos bastante, foi tudo muito esclarecedor.

__ E?

__ Eu realmente quero tentar isso, sabe? Fazer dar certo com ele.

__ Ah. Ok.

Tentei me concentrar no cigarro pra não demonstrar minha clara decepção com o rumo que a conversa tomara. Ela voltou ao silêncio, olhando pro sol.

__ Bom, eu preciso ir. Posso esperar a ligação da sua secretária pra amanhã?

__ Pode sim, Filipe. Depois nos falamos. Tomar uma cerveja, sei lá.

__ Claro, claro. Até mais.


No dia seguinte a secretária ligou, e de fato o contrato era meu. Pouco depois ela mesma me ligou.

__ Viu? Eu disse que você ia conseguir. Meu pai gostou bastante do seu portfólio.

__ Que bom. Depois que eu saí do escritório tive muita dificuldade pra conseguir novos clientes. Tava até considerando dar aula. Mas é meio frustrante.

__ Não, vai ser ótimo. A Susi te mandou por e-mail alguns documentos, preciso que você dê uma olhada e responda, tá? E se puder mandar algum rascunho pra segunda-feira também...

__ Segunda? É...sabe o que é? Eu sei que acabamos de fechar um contrato e tal, e você agora é minha cliente, mas é que esse final de semana tô de viagem marcada pro Rio. Vou ver a final do campeonato carioca. Tem como adiar esse prazo pra mim até, sei lá, quarta da semana que vem?

__ Final do carioca, é? E você torce pra qual time?

__ Botafogo. Mas não é culpa minha, sabe?

__ Hahahahaha, tudo bem. Você deve ser o único botafoguense com menos de cem anos no mundo. Tá com o ingresso pro jogo comprado já?

__ Sim. É meio que um ritual.

__ Ah, é?

__ Meu pai era botafoguense também. Ele morreu ano passado. Nós nunca nos damos muito bem, mas os domingos eram ótimos. A gente sempre ia junto pro estádio. Ali podíamos ser só pai e filho.

__ Ah...nossa, nem sei o que dizer.

__ Na verdade eu tô brincando. Meu pai tá vivo e torce pro Flamengo. E nos damos muito bem, apesar disso.

__ Nossa, que engraçado. Tudo isso só pra me convencer a te liberar no final de semana?

__ Pois é...peguei pesado, né?

__ Não, tá ok. Acho até que a gente podia se encontrar lá. Eu chego no Rio domingo de manhã.

__ Vai a trabalho?

__ Não, vou ver o Flamengo ser campeão em cima do seu timinho.

__ Claro que você tinha que ser flamenguista.

__ Enfim, só não comprei o ingresso ainda. Me manda o setor que você comprou pra eu comprar perto.

__ Hum...ok.

Fiz um suspense, mas acabei perguntando.

__ Seu noivo vai também?

__ Ah, não. Não, ele não suporta futebol.

__ Ah. Eu chego no Rio na sexta, posso comprar seu ingresso se você quiser.

__ Ok.

__ Por isso perguntei se seu noivo ia, pra saber se seriam dois ingressos.

__ Ah. Entendi.

__ Enfim. Eu preciso desligar, quando chegar me avisa. Vai ficar em hotel?

__ Não, meu pai tem apartamento lá. Eu te ligo. Beijo.

“Seu noivo vai também?” foi, certamente, a pergunta mais estúpida que já fiz na vida.

No domingo ela me ligou cedo, bem cedo. Dez da manhã, pra mim, é bem cedo. Disse que como não podia beber no estádio a gente precisava encher a cara antes, eu mais do que ela tendo em vista que meu time ia perder. Deus, que mulher fantástica. A gente se encontrou na praia, ela de bermuda jeans e camisa do Flamengo, absolutamente linda. Conversamos amenidades, o projeto de arquitetura, o histórico do jogo que veríamos mais tarde, como o sol tava bonito, como o Rio era bonito e ela tinha vontade de morar lá, todas essas besteiras que existem pra gente conversar quando não quer falar sobre o que realmente importa. Eu continuava me encantando, mesmo sabendo que depois de tudo ela voltaria para o noivo e eu continuaria sendo só o arquiteto responsável pelo novo projeto do escritório dela. Não sou do tipo que faz essas coisas, mas tava ali fazendo, e nem sei bem porquê.

O jogo - não vou entrar em detalhes a respeito do jogo em si, porque meu time perdeu – só serviu pra aumentar o estrago. Ela era apaixonada por futebol. E estava completamente bêbada. E ficou lá, com a camisa do Flamengo no meio da torcida rival, gritando, xingando o goleiro – que chegou a fazer um gesto obsceno pra ela – xingando a mãe do juiz e por aí. Era fantástica, absolutamente fantástica. Ao apito final do juiz ela me olhou com o maior sorriso do mundo e me abraçou.

__ Hoje tem festa na favela.

Eu sorri, e voltamos àquele momento anterior, em que ficamos abraçados, ela sorrindo e eu olhando pra ela, e o olhar dela me puxando. E eu sorri também. E ela parou de sorrir de repente, e abaixou a cabeça. Eu soltei o abraço.

__ Tudo bem aí?

__ Sim. Vamos indo? Tem um bar aqui pertinho que é ótimo, cerveja bem gelada e o melhor frango a passarinho do Rio de Janeiro.

__ Sabe, eu vou voltando pro hotel. Amanhã tenho muito trabalho a fazer, preciso descansar.

__ Vai ficar chorando sozinho no quarto só porque seu time perdeu?

Ela voltou a sorrir. E lá fui eu, no sorriso dela.

Saímos do bar era alta madrugada, e dessa vez eu estava tão bêbado quanto ela. Ela jurou que o bar ficava perto do apartamento onde ela estava hospedada e que dava pra ir andando. Falei pra ela que tinha medo de ser assaltado e ela falou que todos os marginais estavam comemorando o título, então não haveria perigo. A cidade ainda soltava fogos pelo jogo.

__ Admiro essa capacidade que você tem de rir de si mesma. Normalmente o pessoal se estressa quando a gente faz esse tipo de brincadeira a respeito da torcida.

__ Bom, posso até ser marginal, mas sou campeã. Né?

Outro sorriso. E eu afundando.

Andamos bastante, até chegarmos numa parquinho caindo aos pedaços. Me sentei no chão e ela no balanço.

__ Sobre o que aconteceu com a gente da outra vez...eu não fui totalmente sincera, sabe?

Tentei fingir que não me importava. Falhei, porque ela continuava lá sorrindo, senhora de mim.

__ Eu realmente liguei pro meu noivo. Nós realmente conversamos. Mas eu não sei se eu quero fazer isso.

__ Isso o quê?

__ Fazer dar certo com ele. Eu pelo menos não devia querer, né? Poxa, ele cancelou o casamento e disse que não queria mais saber de mim. Eu não devia estar atrás disso. Ou devia?

__ Vocês conversaram de novo?

__ Não...falei que ia ligar, mas não liguei. Ele me mandou um e-mail dizendo que ia pra fazenda no fim de semana, que eu podia ir pra gente conversar e ver como ficava, aí eu respondi que vinha pra cá ver o jogo e quando eu percebi a gente tava brigando por e-mail.

__ Hum.

__ Mas nem foi só por isso que eu vim pro Rio.

__ Não?

__ Não.

Um minuto eterno.

__ Meu pai pediu pra eu ficar de olho em você. Ele diz que você é um desses moderninhos metidos a mendigo por conta da barba.

O centésimo sorriso, o tiro de misericórdia. Eu sorri também. Ficamos em silêncio por muito tempo, até que ela se levantou impaciente.

__ Tô esperando a música. Toda vez que eu bebo com você e a gente para numa praça tem trilha sonora. Aí você me beija e eu me sinto uma diva do cinema.

Eu também me levantei, com toda a dificuldade do mundo pra não cair. Ficamos olhando ao redor, de fato procurando a música. E nada. Só o barulho distante dos fogos. Cansei de esperar e dei um passo à frente.

__ Bom, eu posso te beijar assim mesmo.

__ É, eu acho que pode.

E nos beijamos. E os fogos de artifício, aparentemente, ficaram mais próximos, e clareavam a praça, enquanto a gente se beijava. E ela me apertou forte contra ela, e os fogos ali pertinho. E a música começou. E ela me apertou mais forte ainda. Paramos de nos beijar e olhamos ao redor. Nada, só o clarão dos fogos. Ela sorriu e me abraçou. E falou no meu ouvido bem baixinho

__ Isso não é justo. Eu adoro essa música.

__ Peço desculpa pelo atraso. Faltou sincronizar.

__ Mas você ganha pontos extras pelos efeitos especiais.

Me puxou pela mão. Olhei pra ela ainda parado, perguntando pra onde a gente ia.

__ Vem. Vamos nos perder por aí.