Toda sexta-feira ele
desaparecia. Não atendia celular, os amigos que eu ainda tinha
coragem de ligar nunca sabiam dele, ele simplesmente sumia. No início
ele me dizia que tinha ficado preso no escritório, que o pneu furou
e ele tava sem bateria pra chamar o seguro, depois de um tempo era
tanta desculpa estapafúrdia que eu simplesmente deixei de acreditar.
Eu sabia o que ele fazia – não sabia onde, nem com quem – mas
sabia o que ele andava a aprontar. E toda sexta-feira eu derretia de
ódio. Sentia ódio dele em todos os poros do meu corpo. Era medonho.
Eu tinha febre, e cerrava os dentes, e não dormia, e chorava, e
começava a imaginá-lo morto. Morto. E eu imaginava a morte dele bem
lenta e com muita dor, e ele me pedia perdão com os olhos vidrados
de desespero e aquilo me dava um prazer aterrorizante. A essa altura
eu já o tinha matado empalado, queimado, envenenado, mutilado,
atropelado, crucificado. Cada sexta-feira era uma morte diferente, e
às vezes eu fazia umas pesquisas durante a semana, pra garantir que
opções não faltariam. E ficava lá, na cama, comendo cigarros, os
olhos inchados de dor e mágoa, saboreando cada detalhe da morte
dele.
Mas aí, no sábado de
manhã, no sábado de manhã ele chegava, cheirando a álcool e
penteadeira de puta, e me abraçava e pedia perdão. E chorava, e
dizia que não mais faria aquilo comigo, que não era justo, e
pelamordedeus me perdoa, e eu dizia que tava cansada, que aquilo não
dava mais pra mim, e ele enfiava a cabeça no meio das minhas coxas e
eu gemia e chorava e gemia. Aí ele me deitava na cama e me penetrava
com tanto cuidado que o ódio ia embora, aos pouquinhos,
devagarzinho, e ele lambia meu mamilo e pedia perdão, e eu perdoava
e sorria, e aí ele acelerava, o ódio ia voltando à medida que ele
também ia acelerando, e quanto mais rápido ele me fodia mais rápido
o ódio voltava, aí eu explodia em gozo e raiva, e chorava e chorava
e chorava. Ele se limpava com o lençol, virava pro lado e
imediatamente começava a roncar. E eu, chorando chorando chorando,
ia pro banheiro, tomava um banho quente e eterno, até a raiva
passar, até eu conseguir enxergar de novo, e ia embora pra casa da
minha mãe. Todo sábado de manhã era isso. Todo sábado, há anos,
era assim.
No domingo à noite eu
voltava pra casa e ele me levava pra jantar. E nunca conversávamos
sobre o que acontecia toda sexta à noite e todo sábado de manhã.
Nunca conversávamos sobre nada. Ele me falava sobre a expectativa
dos negócios da semana, xingava minha mãe, falava dos passeios com
o cachorro. E eu ficava calada olhando pra ele, imaginando se ia doer
se eu enfiasse a faca de mesa no ouvido dele ali mesmo, naquela bosta
de restaurante chinês que ele me levava todo domingo. Depois ele me
levava pra melhor suíte do melhor hotel da cidade e pedia champanhe
e a cama estava coberta de rosas e a gente trepava por horas e horas
e eu sentia tudo ao mesmo tempo, amor e ódio, e às vezes eu
apertava o pescoço dele com um pouco mais de força, só pra saber
como seria se eu o matasse, e ele gostava, e cada vez que eu apertava
mais o pescoço ele se contorcia todo, e pedia mais e mais e eu
apertava mais e mais. Depois a gente gozava junto e caía cada um pra
um lado da cama, e se olhava pelo espelho, ele ria e dizia que me
amava, e eu segurando a lágrima respondia que o amava também, aí
ele fazia cócegas na minha barriga e a gente ia pro banho junto e
quando via já era quase segunda e já era hora de voltar à vida. Era o nosso ritual.
Aí veio uma sexta que
ele não saiu. Chegou cedo em casa, nem tinha jantar porque na sexta
eu liberava a Rosa mais cedo, sabendo que ele não vinha, mas nessa
sexta ele veio do trabalho direto pra casa. Pediu uma pizza, assistiu
ao jornal e lá pelas dez tava dormindo. Acordou cedo no sábado,
cuidou do jardim e do criadouro dos cachorros, fez almoço, à tarde
foi pra rua comprar coisas pra casa e voltou com pipoca, sorvete e
Dirty Dancing. Assistimos ao filme juntos, ao final imitamos a
coreografia, ele fez as vezes de Patrick Swayze e depois nos deitamos
abraçados, e ele me beijava com calma e bem devagar, a noite
inteira, como há muito não nos beijávamos, e ele me olhava como há
muito não me olhava mais, e cheirava meus cabelos e dizia que me
amava muito, tanto e como. No domingo fomos almoçar na casa da minha
mãe, de lá passamos num parque de diversões, ele não me levou na
porcaria do chinês, voltamos pra casa e, já na cama, ele me contou
que tinha percebido o que vinha fazendo, e o quanto me fazia sofrer,
e como ele arriscou à toa, por todos esses anos, me perder. Que isso
ia acabar, ia parar, que toda sexta-feira ele estaria lá pra dar
boa-noite pro William Bonner e seríamos um casal exemplar e de
causar inveja nos outros casais.
Eu sorri. Sorri e disse
a ele que não queria vê-lo em casa sexta à noite, que não o
queria acordado sábado de manhã aparando o jardim, ou indo aos
almoços de domingo na casa da minha mãe. Que mesmo que ele não me
traísse mais, que ele arranjasse o que fazer na sexta, que eu o
queria bêbado no sábado pela manhã, transando comigo como se fosse
morrer, e agindo como se nada tivesse acontecido o resto do final de
semana. A única exigência que fiz foi excluir definitivamente
aquele chinês de merda da nossa vida. Mas expliquei que, embora eu
sofresse muito em todos os finais de semana, só assim eu me sentia
viva. Que não queria o que a gente já tinha de segunda à quinta,
queria aquela loucura e paixão e perdição daqueles três dias
porque era a melhor parte dele que eu tinha. Ele me olhou
petrificado, tentou balbuciar que nunca havia me traído, falou que
isso não era coisa de gente normal, que ninguém pode ser feliz
vivendo assim, mas eu mantive minha posição. Expliquei que casada
eu já era, com a Rosa, que era quem me ouvia reclamar, quem me
auxiliava nas contas, quem via a novela comigo e tudo isso. Isso já
era um casamento perfeito e isso eu já tinha, e obviamente jamais
seria com ele, porque ele não era assim, ele era vadio e eu sabia,
sempre soube, e foi ali que eu vi meu coração a primeira vez e era
ali que eu queria ver meu coração pra sempre. Eu disse pra ele que,
feliz, aceitava a condição. Era a minha escolha. Se ele quisesse
emular um casamento perfeito, que fizesse sua trouxa de roupa e fosse
embora atrás de outra mulher, que eu preferia imaginá-lo morto toda
sexta feira a ter real vontade de matá-lo logo na segunda pela
manhã.
Na sexta seguinte, já
passando das três da manhã de sábado, ele me mandou uma mensagem
dizendo que o pneu tinha furado e ia dormir na casa de um amigo, mas
no sábado de manhã voltava pra casa. Sorri conformada, vesti minha
melhor lingerie e esperei ele voltar. Ele chegou oito da manhã,
bêbado e roto, eu gozei e chorei e sorri e fiz todo meu ritual.
Depois do banho voltei pra cama e fiquei olhando pra ele, até pegar
no sono, imaginando uma morte diferente das que eu já tinha
imaginado. E ele ainda dormindo procurou minhas coxas, repousou sua
mão e me chamou pelo nome. E eu chorei de ódio, feliz da vida, com
o coração no lugar.