quinta-feira, 13 de novembro de 2014

E se?

"E se?", eu me perguntava. E se a gente tivesse seguido adiante naquela bebedeira e se a gente tivesse dormido junto aquela noite e se a gente tivesse vivido essa parcela de vida que parecia tão óbvia e tão certa? E se a gente tivesse se lançado naquele abismo que era meu coração ainda se curando de tantas e tantas feridas? E se seu corpo me trouxesse as respostas pra todas as perguntas que teus olhos me faziam? E se teu corpo me comesse como me comiam teus olhos? E se a promessa dessa noite ensopada de suor e desejo se concretizasse e a gente enfim gritasse que era isso que a gente queria e que queria há bastante tempo e era sim inevitável? E se a gente cruzasse a fronteira só pra, dali à frente, perceber o passo maior que as pernas e querer voltar? E se a gente nunca voltasse? E se eu te abraçasse com as minhas pernas e a gente gozasse junto apenas por aquela noite quente naquele lugar que, ali, parecia ser só da gente? E se? Eu me cansei de esperar pela resposta. Eu me ensopei de outras noites, eu comi outros olhos, eu abracei outros corpos. Eu cruzei todas as fronteiras, mesmo as que eu nunca devia ter cruzado. Eu te vi desfilar com outras moças e eu desfilei meus moços e ainda assim seus olhos me comiam e me inquiriram e me diziam todas as coisas impossíveis de ser ditas. E eu dancei sozinha noites a fio, o cigarro por companhia e a solução pra todas as dúvidas descansando no meio das tuas pernas. E se?

terça-feira, 30 de setembro de 2014

A morte do menino amor

Aquele menino amor nascera na véspera do ano novo. Nascera feliz, saudável, pois já no início era dividido igualmente em duas partes, o que garantiria a ele bons anos de vida. Se tivesse nascido dividido em partes desiguais, mais cedo ou mais tarde uma das partes do amor pesaria demais e exigiria em demasia da parte menor, o que nunca é justo. Nunca é justo com o amor e munca é justo com quem ama.

Pois esse menino amor nasceu e cresceu bonito e saudável, nas duas partes jovens e saudáveis. O menino amor era cheio de vida. O menino amor viajou, morou junto, encarou o tempo ruim e celebrou o tempo bom. O menino amor foi feliz, certo de uma vida longa e plena.

Até que veio...a vida. E o menino amor, agora já crescido, se viu também partido. Continuava dividido em partes igualmente iguais, porém distantes uma da outra. Uma parte lá, outra parte aqui. Mas o amor não se deu por vencido e resistiu. E escreveu cartas, e varou noites em ligações intermináveis,  e gastou todas as milhas acumuladas com o cartão de crédito. O amor tentou. Mas a vida se esforçou em continuar, e as ligações cessaram aos poucos, as cartas demoraram mais pra chegar, as milhas findaram e o bolso não podia comportar. E o silêncio veio chegando sorrateiramente, ocupando o lugar do riso, e o riso se viu em outros olhos, e outras bocas se beijaram numa noite fria, sem dor pra ninguém porque aquele amor não estava mais lá. 

Não sem tentar, e cheio de dúvidas,  o amor morreu. 

Morreu ainda dividido em partes iguais, o que era de uma tristeza infinita. Amores morrem todos os dias, porque não são de verdade, ou não são do mesmo tamanho, ou foram traídos pelo melhor amigo - o pior inimigo. Mas ninguém lidava bem com essa morte assim. Era um amor jovem, verdadeiro e igual. 

Que, infelizmente,  morreu de fuso horário.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

A volta do boêmio




Engraçado retornar às linhas & letras e deixar um pouco de lado os números e as observações das mesas de pôquer. E já se vão mais de dois anos sem aparecer nesta Confraria. Sim, voltei porque fui. E fui porque já não via sinceridade nas minhas ideias de amor. Teve uma hora que me dei conta que escrevia, era lido e elogiado por falar de algo que ainda não tinha vivido de fato. Sacanagens, seduções, entre outros, ah... isso eu conhecia bem. Mas de amor, era (e talvez ainda seja) um completo retardado.

Eis que vivi. E como... Intensos, fulminantes, contraditórios. Meus amigos, garanto-lhes que esta puerra que tanto se fala sem o menor fundamento é o narcótico mais hardcore que existe e dele provei até ter overdose. Amei pra caralho. Poutaquepariu! E olha que nem acho que sou dos que mais se entrega. Um erro, claro. Amor é pra isso, é pra se lambuzar e deixar secar sem limpar, sem frescuras.

Ele é descontrolado, e me conheci um sujeito controlador. Daí as cagadas que aprontei, pois aquilo chamado amor é pior que touro brabo, não tem quem dome essa desgraça. Você fica sem chão (e me perdoem os lugares comuns, mas estou desenferrujando ainda), mas quando tu se vê nessa situação, ao invés de procurar algum lugar pra segurar, a vontade que dá é de se mergulhar mais fundo, de testa, só pra ver onde dá.

Voltando ao retorno ao blog, devo confessar que agora no meio do texto, minha cabeça fervilha de sensações que vivi e quero passar, mas ao mesmo tempo me dá um medo danado de não conseguir terminar esse texto de uma forma digna. Perdi um pouco dessa dignidade de escritor. Dessa moral.

Enfim, rumbora parar por aqui hoje ou não termino isso aqui muito bem. Melhor voltar de leve, sem um texto com a obrigação de ser realmente bom. Só um texto simples. Até meio ruim. Não vou divulgar, nem fazer o menor alarde sobre esta crônica. Quem sabe a próxima vingue. Penso em fazer uma carta aberta. Uma prova pro meu amor atual. Ou não. Ou só conte um pouco das minhas preserpadas, pois elas continuam.

Até mais.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A sorveteria

“Boa escolha a sua” disse a ele com o sorriso simpático de quem conhece a freguesia. – É! Dificilmente compro outros sabores, respondeu. “Faz bem, o açaí tem ferro e dá energia” completou como se conhecesse sua rotina e da sua necessidade de complexo B. – Está aqui seu troco. – Obrigado, posso voltar outra hora para conversarmos mais sobre tabela nutricional dos picolés? – Claro, será bem vindo! Respondeu com espanto e um ar de riso.
Ele passou meses pensando naquele curto diálogo despretensioso e imaginando a rotina daquela moça linda de olhar materno.  O que ela pensa ao acordar? De quem lembra ao deitar? Qual sua comida preferida? Prefere rock ou sertanejo?
Mas a vida tratou de esfriar as perguntas e colocar as tarefas burocráticas na pauta do dia. De segunda a sexta, dez horas de trabalho contínuo, sábado a cerveja com os amigos e o domingo de futebol na TV. A vida foi passando rapidamente rumo ao dia de mudar de cidade.
Com uma oferta de trabalho, foi para o interior de Minas Gerais na esperança de que entre um pão de queijo e uma cachaça a vida adoçasse e a paz chegasse. Com tanta dedicação ao trabalho, prosperou e tornou-se um importante empresário da região. Comprou fazendas quilométricas e uma fábrica de fazer queijos.
Certa vez, nas suas andanças pela fabrica caiu no chão desmaiado. – “com certeza é estresse” disse uma das funcionárias acostumada com a rotina do chefe. Era anemia! O baixo índice de ferro no sangue era fruto de várias horas a mais de trabalho que lhe renderam uma baixíssima imunidade.
Passou algumas semanas internado e quando teve alta comprou imediatamente uma passagem para sua terra natal com um desejo em mente.
 – “Moça, oito picolés de açaí, e um beijo, por favor!”.



~~ Fim ~~

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Sonhar...

…e acordar sem você, amor, é como não beber água depois de escovar os dentes. Como esperar aquele ônibus há horas e perceber que ele não vai parar porque ta lotado. É como precisar daquele abraço apertado e só ganhar um aperto de mão e dois beijinhos no rosto (um em cada lado). É como dirigir um carro de marchas na contra mão. É como tentar andar de costas e de olhos fechados na tua direção.

Não te ter ao lado ao despertar, entorpecida de você, é como ouvir uma música bonita só com um lado do fone de ouvido. Como andar no sol quente sem óculos, desprotegido. É como esperar o sinal vermelho abrir. É como sujar os sapatos recém engraxados. É como se preparar para um dia de sol e ver que o tempo ta nublado.

É que não ter seus olhinhos pequenos e brilhantes, logo depois de me deslumbrar contigo, me agonia. Eu não quero te dizer o que guardo aqui dentro. Não quero te contar que você faz essa falta que machuca, estraçalha e bagunça mais ainda a minha sutil insanidade. Não quero te contar a vontade que tenho de mexer novamente em teus cachos. De enrolar meus dedos por entre eles e adormecer contigo deitado de cabeça para baixo.


Mas deixa eu voltar a dormir agora, amor. Porque amanhã vai ser difícil admitir que hoje você me encheu de saudades. Vai ser árduo perceber que nenhum tempo é bom o bastante ao teu lado.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Vírus

"Mãe, acho que tô doente"

Ela estava atravessada na cama, ardendo em febre. Ao lado dela o notebook ligado, a página de uma rede social do moço. Ela passava os álbuns de foto em revista, sorrindo.

"O que você tem, filha?"

No chat, uma amiga perguntava pelo moço. Ela, ainda deitada, respondeu que só chegaria de viagem em dois dias. A viagem que duraria uma semana e já durava quase um mês. Ela sentiu ânsia.

"Ânsia de vômito. Febre. Tontura."

Ela e o moço se conheceram há uns cinco meses, numa festa. Beberam, dançaram, sorriram, e de lá foram para o apartamento dela. Era uma sexta. Ele só foi embora no domingo. Ela lembrou desse primeiro final de semana e a ânsia aumentou. Quis chorar.

"Ih, filha, será que é dengue?"

A amiga perguntou se eles estavam namorando. Ela respondeu que não sabia, e não podia ter sido mais honesta. Com seus 30 anos, nunca tivera um namorado a sério. Namorou por algumas semanas com um rapaz, na época da escola, mas a lembrança que tinha disso era amarga. Na verdade, o rapaz dissera à época, pra quem quisesse ouvir, que ela era amarga. Sem coração. Que não sabia amar.

"Ai, mãe, não sei. Tô com vontade de chorar. Tô sentindo um aperto, sabe? Uma dor aqui do lado esquerdo."

Ela, de fato, não sabia amar. Nunca amara na vida. Não havia razão específica para isso: não sofrera uma grande decepção, foi criada rodeada de amor e carinho, só não sentiu nada além de desejo pelas pessoas que frequentaram sua cama. Nem homens nem mulheres. Ah, ela se esforçou, mas nunca encontrou o tal do amor.

"Deve ser uma virose. Te pego aí pra te levar no médico, ok? Quinze minutinhos."

Ela desligou o telefone e rolou na cama, olhando pro teto. Não era de ficar doente. Mas, de uns tempos pra cá, ela adoecia com uma certa frequência.

A amiga voltou a chamar no chat, mas ela fechou a conversa e desligou o notebook. Tomou um banho gelado pra tentar aplacar a febre, mas não resolveu. Pouco depois do banho o moço ligou. Disse que sentia falta do cheiro dela, que estava tentando adiantar o retorno, que ansiava para vê-la. O estômago dela se revirou, a febre aumentou, seu rosto estava em brasa, o calor de seu corpo era palpável. Ela disse que não aguentava mais de saudade, pediu que ele voltasse logo pra ela porque ela, pra variar, havia adoecido e sentia falta do cuidado dele.

"Já reparou que você só fica assim quando eu preciso me ausentar? Acho que te faço mal.", ele fez charme. Ela riu, exasperada. "Não, quando você volta eu sempre fico bem. Você é meu remedinho."

No caminho pro hospital ela narrou os sintomas pra mãe. Falou da febre que não cessava nunca, do embrulho infalível no estômago, da ânsia cheia de ânsia do não sei o quê. A mãe perguntava sobre a ocorrência e a frequência dos sintomas, já com um meio sorriso, e ela respondia que se sentia melhor quando o moço estava. Que mesmo quando eles ficavam uns dois dias sem se falar ela se sabia bem porque ele tava ali, e quando o período era superior a isso ela sentia a casa cheia de ausências e já ficava assustada e irritadiça, e já se sentia indisposta e não queria fazer nada, e a febre queimava e queimava e queimava.

A mãe deu meia-volta. "Mãe, o hospital é pra lá", ela argumentou. "Filha, pra isso aí não tem médico, benzedeiro ou curandeiro que dê jeito. Isso aí, minha filha, é mal de amor". Ela sorriu, incrédula. Mas, ora, como haveria de saber que não era se nunca antes tinha experimentado aquilo? A mãe lhe explicou, com calma. Ela entendeu.

"Mas é assim, como vírus?"

"Sim, filha. Amor é assim, feito vírus."