quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sonho, mas não parece...


Quero compartilhar com vocês um poema que aprecio já há muito tempo e com o qual me identifico profundamente (com cada palavra, cada vírgula, cada silêncio...)





Biografia

Sonho, mas não parece.
Nem quero que pareça.
É por dentro que eu gosto que aconteça
A minha vida.
Íntima, funda, como um sentimento
De que se tem pudor.

Vulcão de exterior tão apagado,
Que um pastor
Possa sobre ele apascentar o gado.

Mas os versos, depois,
Frutos do sonho e dessa mesma vida,
É quase à queima-roupa que os atiro
Contra a serenidade de quem passa.
Então, já não sou eu que testemunho
A graça
Da poesia:
É ela, prisioneira,
Que, vendo a porta da prisão aberta,
Como chispa que salta da fogueira,
Numa agressiva fúria se liberta.

(Miguel Torga)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Da alma apaziguada.

Deixou a música preferida - já tão clichê e repetida - ser o som de fundo para o primeiro beijo.
Segurou-lhe a face com vontade e beijou seu nariz. Acariciou com delicadeza o rosto - antes triste e cansado - sereno.
Ela sentia mansidão ao seu lado. Era o agasalho no inverno, custava acreditar ter encontrado aquilo. E no meio de tantas reviravoltas.... Achá-lo ao seu lado, bem ali. Como se fosse prisioneiro da condição. Como se esperasse um carro em alta velocidade, voltar na contra-mão.
Foi o abraço de despedida que a fez ver: - Ele era tudo aquilo que queria ter. Só pra ela.
Dividir seria complicado. Começar algo no que já estava planejado.
As mãos se largaram. Mesmo depois do efeito da presença, tudo ficou ameno.
E o pôr vir , tão incerto, parecia agora tão concreto, algo que jamais viu.
Sem alianças ou compromissos , falas ou serviços. Eram dois em poucas horas.
Iriam começar a longa história. Sem tristeza, ambos eram a fortaleza... Um do outro.
Anestesiou-se ao vê-lo partir. Queria a noite inteira pra ouvir sua voz - sussurrante - rir dos relatos chocantes das noites insanas.
Conseguiu , enfim, entrar em casa, enquanto ele partia para o universo de um outro tempo.
De uma longa caminhada.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Dimytria III



O sol já desaparecera no horizonte. Todas as cores misturavam-se. O mesmo acontecia com seus sentimentos. Era tão difícil externá-los quando todas as portas do coração estavam fechadas. Queria que fosse simples assim como o laranja se misturava com o vermelho, azul e o branco no céu sobre sua cabeça. Sabia que nada era fácil.

A dor sufoca junto com as lágrimas que não foram derramadas.

Os olhos fecharam.



Foto: Fany

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

As melhores brigas do universo

Dizem que a partir de uma mega explosão nasceu o universo, as flores, as veias mais complexas do nosso corpo, a cerveja e os Alpes Suíços. Discordo, sou criacionista. Mas a lógica por trás disso é reproduzida nas brigas conjugais e, é inevitável concordar: depois do caos realmente nasce o paraíso.

Não importa o nível da briga, pode ser uma discussão boba ou um quebra pau de delegacia, o melhor de tudo é a reconciliação - nunca mais faço isso, não sei viver sem você e declarações robertocarlianas.

Manchas de batom inexplicáveis na gola da camisa, palavra áspera no momento mais sensível, a data esquecida, a piada fora de hora ou o atraso sem motivo, por que isso não pode ser esquecido em um jantar à luz de velas, no cinema com pipoca no fim de semana, no refúgio na cidade próxima e o principal: a enorme vontade de fazer o outro feliz?

Então, caro mancebo e nobre donzela, tire da briga o que ela tem de melhor: faça as pazes, mande flores, um SMS com desenho esquisito, um vídeo toscamente editado, um pedido de desculpas e curta a lua-de-mel pós briga feia. Você perceberá que por mais que não brote nenhuma vida do seu bigbang, o orgulho engolido lhe dará forças para continuar tentando brigar menos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Renomear

Ele vai encontrar alguém e vai fazer esse alguém a pessoa mais feliz do mundo. Porque ele sabe bem como fazer isso. Ela será suspeita e cúmplice sobre como abrir mão da sua sorte. Porque ela é profissional neste aspecto. Ele vai querer falar de trabalho. Porque ele precisa. Ela vai tentar não pensar muito a fim de evitar o mundo real. Porque ela tem medo. Ele vai pedir para falar das coisas, da sua condição de mulher. Porque ele se surpreende. Ela vai falar com o silêncio, com a delicada e determinada entrega. Porque ela é só o que ela sabe – muito de pouco. Os dois vão se referir a terceira pessoa como “nisso que a gente vive”. Um segue pensando e refletindo para se encontrar e se situar num contexto que é só presente. O outro, numa luta inútil de permanecer com a mente vazia para não se perder e nem cair no abismo da palavra amor.