terça-feira, 30 de novembro de 2010

carta aberta de um incerto apaixonado*

Sinto a dor anestesiar minhas entranhas, como uma lâmina que corta sutilmente os pulsos de um suicida famigerado. Uma dor que nunca foi tão profundo dentro de meu corpo. Sinto o coração apertado, o peito doendo, as mãos trêmulas como uma bandeira fincada no topo de uma montanha. Mas de que adianta passar base sobre a ferida, se ela ali permanecerá? Quero um remédio que cure a dor, que cure o aparente, mas talvez nem nas melhores farmácias se encontre algo que faça efeito em vinte e quatro horas. E na farmácia cerebral, então, é que não existe mesmo.

Como te dar certeza, como te prender a mim, se eu não sei? Se não sou sabedor dessa coisa que ainda chamo de mente. Escura mente. Indecifrável mente. Estúpida mente. Como te segurar com minhas mãos, te pedindo que não vá, se não tenho pássaros em gaiolas e os prefiro ver livres para pousar onde acharem que devem? E como não te dizer que te amo se, definitivamente, é o sentimento que me corrói inteiro por dentro? Como te dizer que não te quero, se com meu corpo e alma é isso que desejo? Como posso ser egoísta a tal ponto de te querer pra mim, mas não poder me doar como, indefinidamente, eu gostaria?

Sinto minha voz rouca, meus cabelos desgrenhados, meu corpo desfalecendo à simples percepção de que deixar ir pode significar nunca mais voltar. Sinto minhas mãos abraçando o vento enquanto durmo e tenho sonhos que outrora foram reais. Sinto-me extasiado, demasiadamente cansado, copiosamente lacrimejando ao mero sinal de que o nunca mais não existe pra mim, mas que nada é igual pra todo mundo, e que essa deve ser a conseqüência para as coisas da vida pela qual você se arrisca. Mas e não saber, e não saber, e não saber?

Como resistir à tentação de não te ligar, de não te enviar um torpedo ou de simplesmente olhar em seus olhos? E como olhar em seus olhos, em meio a essa luta interna de sentimento, e dizer que não consigo, que não posso, enquanto quero me jogar nos teus braços, beijar a tua boca e deitar no teu colo? Não posso fingir que você não existe e não me sinto capaz de perceber que pra você eu não existo mais. Será isso o necessário? Será que você vai me apagar, me esquecer e pensar que eu realmente já não existo mais?


*Texto de Jeronymo Artur

domingo, 28 de novembro de 2010

Chuva Fina


Era um dia cinza e frio. Entrei no ônibus e sentei-me num daqueles bancos altos, sozinho. Fiquei olhando pela janela a chuva fina molhar a cidade toda aos poucos, sem pressa. Duas moças sentaram-se à minha frente e uma delas ouvia passiva a outra relatar suas dores de um amor distante.

O que mais me cativou não foi a história da moça em si, e sim a pergunta que ela fazia para si mesma em voz alta: ‘Como é possível sentir saudade de um beijo que nunca ganhei?’ Naquele momento me senti tentado a corrigi-la. Quis dizer que havia um equívoco na pergunta. Ela deveria dizer que desejava muito o beijo, pois não haveria como sentir saudade do que não viveu.

Ainda bem que não disse nada a ela, pois o equivocado certamente era eu. Afinal de contas o sentimento era dela, ninguém melhor do que ela para descrevê-lo (ou mesmo questioná-lo). Visto que a amiga apenas sorriu, provavelmente a julgando tola, ela se calou. Eu também me calei. Na realidade, nem estava falando. Mas calei o pensamento.

Pude entender que ela realmente devia sentir saudade. Olhei para fora e percebi que a rua estava completamente molhada, mas a chuva continuava fina. Sem pressa, como tudo nessa vida necessitava ser. Desci duas paradas depois da que eu deveria descer. O pensamento de ter saudade do que não vivi tomou conta de mim de tal forma que já nem sabia direito pra onde estava indo antes. Só que agora eu já sabia onde queria chegar.

Thais Carvalho

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Do dia que te vi na rua*

Te vi na rua. Mudei de caminho. Talvez tivesse sido melhor mudar o pensamento pra evitar aquela velha história que começa pelo fitar dos olhos, vem gelando os sinos, as orelhas, a boca começa a ficar seca e ao mesmo tempo os joelhos começam a tremer e ela, claro, sempre, anuncia sua volta triunfante, com toda acidez e amargor possível para alguns metros de estômago.

Teria sido melhor se eu ao invés de desviar o olhar, desviasse o carro e batesse na primeira latrina, no primeiro poste que estivesse pela frente. Aí sim eu teria motivos para sentir dor. Enganaria meu cérebro, deslocaria as sinapses para a testa batida no volante, ou pra perna amassada pelas ferragens, ou para as orelhas atingidas pelos estilhaços do vidro. Aí sim eu teria motivo para doer à vontade e deixaria minha gastrite quieta pra sempre.

Se eu tivesse escolhido outro caminho, aquele que costumo ir... Mas não, logo hoje decidi fazer um percurso desconhecido só por que ouvi dizer que faz bem para o cérebro. Exercita. Deixa inteligente. Mas eu não quero ser inteligente. Quero só ser eu e em toda a miudeza dos pequenos grandes detalhes e defeitos pré-moldados.

Talvez eu devesse ter saído de bicicleta, mas o pneu dela está sempre murcho. Sempre, sempre, por mais que eu insista em deixá-lo apto para a minha próxima volta. Pensando bem, se eu tivesse saído de bicicleta também tinha te encontrado. Você está em todos os lugares. Nos orelhões, nas calçadas, nas vidraças, nas costas de meninos e homenzinhos em puberdade. Nas camisetas da Hering, nas cores que vejo pelas vitrines. Não adianta eu desviar o caminho. Sempre vai ter um quiosque que vende cachorro quente, sorvete, pipoca doce, pizza, sushi... que você gosta, assim como eu, de coisas que engordam. Pois é, somos dois falsos magros com cérebros gordos, mas eu só queria ser inteligente. É eu sei que disse que não queria ser, mas na verdade, no fundo mesmo, eu queria. Queria poder assistir filmes e ouvir músicas sem conectá-los aos meus sentimentos - olha a pretensão- como se os autores tivessem feito aquilo que vejo e ouço só pra mim. Sou burra, eu sei. Mas todo mundo acha que o que serve como carapuça, foi feito por encomenda.

Eu te vi na rua mas não desviei. Passei por cima e você nem me viu.


*O texto é da escritora Kaline Rossi. Que seja só o primeiro de infinitos por esta Confraria. é o que esperamos.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Da despedida forçada, ou como lidar com um sofrimento inevitável

Daí que moro em terra estrangeira há mais de quatro anos. Foram quatro anos inteiros com o desejo maciço e permanente de voltar pra casa. Mas o momento nunca chegava. Chorei sozinha, quis fugir, cheguei a pegar o carro e dirigir até o aeroporto com a mala no banco do passageiro, mas voltei a tempo de repensar e decidir que não se morria dessas coisas.

É claro que em quatro anos nasceu um monte de gente na minha vida, um monte de pseudo-amores que coube a mim, com o tempo e com a razão, transformar em amores de fato ou apenas experiências de crescimento. Sempre deixei meu céu aberto pra invasão alheia, porque a saudade de minha casa me cegava pra um fato: o que eu ia fazer desses amores quando fosse a hora de voltar em definitivo?

Estive tão afundada no desejo maciço e permanente de voltar pra casa, pros meus, que deixei no modo espera o fato de ser, hoje em dia, absolutamente dividida em duas cidades. Ignorei que mesmo morando em terra estrangeira eu tenho casa, minha casa, o peito do homem amado que me abriga há dois anos. Ignorei que aqui fiz amigos reais e pra vida toda, apesar da distância física diminuir os ímpetos sentimentais. E agora, agora tudo veio à tona.

Sim, vou embora, cedo ou tarde. E a solução mais prática e menos indolor era, claro, levar todo mundo embora comigo, fundir minhas duas vidas numa só. Mas não é possível, ou é? Alguém tem o resultado favorável dessa fórmula matemática?

Então me peguei pensando, já com uma dor latente, no tanto que eu perco. Porque amizades à distância se mantêm, mas e meu amor? O porto seguro que nadei, nadei e quase me afoguei tentando encontrar? Meu lugar preferido, como fica?

Vou me preparando então para, obrigatoriamente, esquecer. Esquecer alguém não por ter me feito mal, e sim por ter me feito a pessoa mais feliz do mundo. Esquecer alguém não por desamor, mas por amor puro e intenso. Esquecer alguém simplesmente porque um capricho do destino fez com que ele tivesse nascido no Acre e eu em Brasília.

Esquecer os gestos, o cheiro, o sabor. Esquecer das palavras de afeto, dos momentos duros que enfrentamos, momentos meus e momentos deles. Esquecer o quanto um fez pelo outro. Porque viver com uma lembrança dessa é aprender a morrer, e eu não quero. Saudade só faz sentido quando se pode matá-la na saliva. De resto, é virar viúva de alguém que ainda vive. É se enrolar em uma mortalha pro resto dos dias.

E fica a pergunta: quando é que se poderá amar assim de novo? Quem vai me chamar de babe e viver cada momento íntimo que a gente viveu? Quem vai me ensinar a ser o melhor que eu posso ser, todos os dias? Com quem vou fazer cinema? Até nossos momentos íntimos em que somos um casal feliz e retardado, onde vão parar? Com quem farei a secreta dança da vitória?

Haverá uma resposta para isso e para tudo. No mais, vou aqui fingindo que não me preocupo com isso, e que tudo vai dar certo no final.

Enquanto isso, vou redecorando as palavras de Chico Buarque, que sabiamente diz que “a saudade dói latejada, é assim como uma fisgada num membro que já perdi”.

Se dependesse do que diz Chico nessa canção, esse post seria só o vídeo. Porque ele basicamente diz tudo, né.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A gravidez

Poucas cenas são tão simbólicas na representação do mais puro amor, do que a da mãe grávida acariciando o ventre durante a gestação. O chamego embrionário promove de maneira misteriosa, uma múltipla repercussão em todo o ciclo social da mãe e por que não, do pai.

A mulher grávida é tratada como uma valiosa obra de arte, daquelas dos leilões milionários, sensíveis ao toque e com o respeito que só um grande artista tem. Mas é fato que ela é muito mais que isso, ela além de mudar-se muda seu redor, promove paz e cultiva esperança.

Através do que conhecemos como instinto maternal, ela consegue criar o ambiente tranqüilo para a paz do bebê mais bonito. Todos se sentem movidos a ter paciência, atenção, carinho e amor de forma generosa e sem cobranças.

Os horários se tornam mais flexíveis e a saúde passa a ser prioridade, o desejo de bom dia é mais sincero, e o trânsito já não irrita mais, a fila do banco não tem pressa e ela ganha fiscais de seu bem estar por onde passa.

É durante a gravidez que a sociedade mostra sua mais bela faceta, nos enche de orgulho e consegue ser verdadeiramente feliz, e por mais que o sistema imponha cada vez mais limites, a mulher grávida será sempre uma magnífica prova de amor.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A gente nunca esquece...


... A primeira vez: o primeiro olhar, o primeiro beijo... são todos tão valiosos para uma relação e por isso mesmo tão citados. Um desses momentos - quase sempre esquecido - porém igualmente ou ainda mais valioso é o primeiro encontro de mãos.
Estar em contato com uma pele que antes nunca tenha tocado, sentir a textura do outro, sua diferente temperatura são essenciais para o amor.
Sejam mãos inseguras ou firmes, delicadas ou calejadas, pequenas, grandes, macias, ásperas, tímidas ou decididas. O primeiro ato de dar as mãos em um romance é a descoberta do outro. Dá uma sensação de que, de mãos dadas (com aquelas específicas mãos, insubstituíveis pro coração) é possível enfrentar tudo que vier.
É a partir desse conhecimento (e reconhecimento) das mãos do outro que nasce uma certeza ainda mais forte de que não se está só no mundo. Que se separem por algumas horas, dias ou meses... mas sabe-se que a extensão de si mesmo pode ser reencontrada e novamente conectada por elas. Tão frágeis, mas tão grandiosas - as nossas mãos dadas, confiadas, sejam por amor, ou paixão... ou não.


Thaís Carvalho

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Quem ama recomenda


Os mais antigos hão de recordar daquele casal nu, como numa referência a um dos trajes mais adequados à felicidade no romance, onde suas figuras sempre eram acompanhadas pelo famigerado preâmbulo “Amar é...”. Se, num desses lances de suerte, me permitissem dar uma contribuição para o legado dos naturalistas conselheiros, diria: “Amar é... recomendar.”

Quem ama recomenda. Só se quer apresentar o novo, o melhor, a experiência, o ponto de vista para quem se ama. Já amei, e como não podia deixar de ser, recomendei. Recomendei tudo que mais admirava. Tudo que mais sabia.

Para a dama, provei meu amor ao apresentar Robert Crumb. Ao explicar que se dormisse oito horas por noite podia se sentir melhor. Que se você entornasse aquela tequila sem ingerir muita água antes, podia ter aquela ressaca apocalíptica. Ou quando sugeri que o arroz podia ficar um pouco melhor com ervilhas. 

Expliquei a mágica que só pipoca salgada e com bolinhas de chocolate podem proporcionar. Lembro quando pedi pra que saísse um pouco mais cedo da faculdade para termos mais um tempinho juntos naquela sexta-feira cuja aula era um vídeo da Ilha das Flores. 

Recomendações dadas.

Sei reconhecer as recomendações que me ofertaram. Lembro que me recomendaram ouvir Damien Rice. Ou que assistisse a grande película hermana “El secreto de sus ojos”. A macarronada naquele restaurante italiano escondido. E teve a vez em que me foi pedido morder de leve quando se finaliza o beijo.

Recomendações recebidas.

Na recomendação não cabe a arrogância professoral. Não tem espaço para a mesquinhez do “te avisei”. Não se obriga. Faz se quiser, e não ofende por deixar de fazer. A recomendação não foi inventada para se mudar alguém. Apenas é um bônus de afeto. Se não for, não é recomendação.

Uma recomendação sempre carrega no quengo uma dose de ingênuo bem querer. Se recomenda é porque se torce a favor. Repito, é porque se ama.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A sorte

"Audaces fortuna iuvat" - A sorte proteje os audazes

É como se me mostrasse o oásis
E me pedisse prova de merecimento
Julgou-me por critérios desconhecidos

O resultado foi o que se esperava
De quem apenas sentia que podia
Mas não provava o que sentia

A demora e a dor são necessários
Mas a recompensa haverá de curar
Todos os mal entendidos