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Me lembro que uma amiga
costumava dizer, sobre as dores de amor que às vezes sentia, que não
se morria dessas coisas. Foi a primeira coisa que pensei quando
finalmente consegui voltar a andar após sair do apartamento dela.
Porque eu fiquei suspenso ali por, sei lá, cinco minutos, esperando
um chamado que nunca veio. E quando percebi que não veio e quando me
dei conta do que viria no lugar, a primeira coisa que pensei foi em
não morrer.
Qual o quê.
Talvez tivesse sido
mais fácil pra mim se tivessem me dito que a dor de perdê-la me
faria doente e meio louco. Talvez tivesse sido mais fácil se
tivessem me alertado que parar de trabalhar pra esperar por ela todos
os dias durante um mês não ia me fazer mais saudável, nem tampouco
a traria de volta. Ninguém me disse isso. Só me davam tapinhas nas
costas, riam quando eu dizia que estava à beira da morte e insistiam
em dizer que ia passar.
Por um tempo achei que
não ia passar nunca e vesti com orgulho minha mortalha. Me
transformei em péssima companhia de bar porque estava quase sempre
bêbado de dar dó, gritava com casais na rua e fui confundido com um
mendigo certa feita em que estava sentado na frente da casa dela
esperando ela passar com o noivo – agora já marido – só pra ir
pra casa chorar depois. Até que minha mãe, pobre mulher, resolveu
que eu tinha ultrapassado todos os limites do aceitável e impôs a
condição de eu fazer terapia pra continuar morando na casa dela.
Com o tempo o visual
mendigo foi embora, eu parei de frequentar a porta da casa dela, me
tornei a companhia de sempre no bar e fui deixando pra lá. Com uns,
sei lá, oito meses eu já tava refeito. Voltei a trabalhar, saí da
casa da minha mãe e dava festas absolutamente inacreditáveis no meu
apartamento.
Era feliz novamente sem amar ninguém.
Até que veio São
Paulo. De novo.
E com São Paulo veio a
Luísa.
Foi mais ou menos
assim: tinha uma reunião do escritório e de lá fomos todos prum
bar. E quando eu tava já muito bêbado ela chegou, mais bêbada que
eu. Também era arquiteta, tava lá pra encontrar com alguns amigos
que, por acaso, trabalhavam no meu escritório. Ela sentou do meu
lado e conversamos a noite inteira, sem a necessidade de sermos
apresentados. Eu, bêbado, contei toda minha história pra ela, que
ouviu com lágrimas nos olhos e se pôs a xingar a ex junto comigo.
Já quase amanhecia quando resolvemos ir embora. Disse a ela meu
nome, que me disse o seu. Perguntei se ela costumava beber tanto
daquele jeito, avisando que se a resposta fosse positiva eu adoraria
tê-la como companhia. Ao que ela respondeu que só bebia assim quando
o marido viajava, senão ele brigava com ela.
Claro, né.
Mas ficamos amigos.
Melhores amigos. Ela tinha sido a primeira pessoa em quem consegui
confiar depois do que a ex fez comigo, e isso não facilitava pro
amor que teimava em nascer no meu peito. Não lutei, mas não me
esforcei pra tirá-lo de lá. Só tentava agir como se ele não
existisse, porque eu sabia que se eu dissesse a ela o que sentia, ela
certamente se afastaria, por ser boa demais pra me machucar. Então
aceitei o posto de melhor amigo feliz, porque era melhor que nada.
Com um ano de São
Paulo resolvi me permitir me envolver com alguém, até pra ver se a
presença da Luísa no meu peito diminuía um pouco. A moça era
bonita, inteligente, gentil e completamente tarada, o que certamente
me deixou ocupado por uns meses. E a Luísa sentiu. De início achei
que seria somente ciúme normal de amiga quando um amigo começa a se
relacionar com outra mulher, e não dei muita bola. Mas as
reclamações cresceram e cresceram, e eu não podia falar da moça
sem que Luísa soltasse suspiro atrás de suspiro, e percebi que ali
era mais do que ciúme de amigo. E me doeu, doeu muito. Ao que me
afastei. Ela, percebendo que me perdia, me puxou de volta. E
perguntou o que havia. E eu rodeei, rodeei, até dizer que o ciúme
dela quase me ofendia, tendo em vista que ela a essa altura já devia
saber o quanto eu a amava.
Luísa me olhou como
nunca tinha me olhado na vida, o olho cheio de lágrima, o suspiro
suspenso. “Eu também te amo”, foi o que ouvi bem baixinho, quase
um segredo. Não acreditei, fiquei com raiva, mas ela me puxou pelo
braço e disse em voz alta, de maneira que meu peito entendesse bem:
“eu também te amo”.
No dia seguinte fiz
minhas malas e pedi pra passar um tempo na matriz do escritório. E
fui embora sem me despedir. Quando Luísa disse que me amava quase
pude ouvir a trilha sonora da minha vida, aquela há muito
silenciada, começando a primeira nota. Mas um segundo depois me dei
conta de que não poderia ficar com ela, porque veja bem, uma vez uma
moça tinha me traído sem que eu tivesse feito absolutamente nada
pra ela. E eu quase morri. O marido da Luísa, embora eu não tivesse
feito questão de conhecê-lo bem, certamente não o merecia. Então
não me cabia fazê-lo.
Passei seis meses sem
dar ou ter notícia dela, então achei que seria saudável voltar. E
voltei. E uns dias depois do meu retorno, no mesmo bar onde a
conheci, um amigo muito bêbado resolveu espalhar a notícia de que eu estava na cidade, e saiu mandando mensagens de texto pra todo mundo. Minutos depois o telefone dele tocou. Era Luísa. Ele confirmou que eu realmente tinha voltado a São Paulo, disse que tinha uns dois dias e disse que eu parecia bem. Ela pediu pra falar comigo. Fiz que não com a cabeça, falei que não queria, que era melhor não. O amigo bêbado insistiu.