sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Legumes




Naquela época, eu achava que ficaríamos juntos para sempre. Que Carolina sempre estaria lá, para me apoiar. E eu sempre a amaria. Mas a vida nem sempre acaba sendo como nós imaginamos, e depois de tanto tempo é engraçado pensar como as coisas chegaram a este ponto. A verdade é que eu nem lembro mais como acabou. Que dia que nós decidimos que já não era mais possível ficarmos juntos? Quais foram as suas ações que me fizeram parar de tentar? Quais foram minhas palavras que lhe fizeram ir embora? E as brigas, que por tanto tempo remoí pra me convencer que nós devíamos viver nossas vidas separadas, já me fogem da memória. Mas eu sempre tive uma péssima memória. Era sempre você que lembrava onde tinha colocado a chave ou qual era o dia de pagar a conta de luz. Engraçado, dessas coisas eu ainda consigo lembrar. É como a cor de seus olhos. Simplesmente, eu não consigo esquecer. Por mais que me esforce, e acredite, nos primeiros meses que passamos separados, eu teria pagado um médico como aquele do filme do Jim Carrey, aquele com a menina de cabelo azul que tem o nome de uma música (ou seria um personagem do Dom Quixote?) para apagar a cor daqueles olhos castanhos com pequenas manchas esverdeadas da minha cabeça. Mas com o tempo as lembranças que eu mais me apegava – você quebrando o prato de porcelana na parede; os deboches na hora do jantar; a forma que você sempre conseguia me tirar do sério enquanto assistíamos um filme – foram se apagando, fugindo pelas pontas do dedo, saindo durante o banho, me escapando entre os bytes do computador. E cada vez mais seu sorriso, a maneira como apertava a ponta dos dedos quando estava em dúvida com algo ou como gostava de enrolar a ponta dos cabelos enquanto lia um livro iam ficando grudados, presos, e eu simplesmente não podia mais fingir. Talvez seja por isso que tenha começado a me esconder. Fugir daqueles lugares que sabia que você estaria. Inventar desculpas para os amigos em comum. Pular as músicas que lembravam você da playlista no meu computador. Esconder as fotos em caixas em baixo de outras caixas. Era o medo de descobrir que em algum lugar ainda estava o sentimento que me fizera me apaixonar por você. Medo de te encontrar, e me ver novamente preso aquele relacionamento que havia tomado 15 anos da minha vida, 9 com você e o restante para te superar. Qual foi minha surpresa ao te encontrar no supermercado, e descobrir, em meio a seção de legumes, que na verdade não havia como voltarmos ao passado, nem que eu quisesse. Seu cabelo estava mais grisalho, e consegui identificar algumas rugas que não estavam ali da ultima vez que te vi, dois anos atrás em uma exposição de arte, lembra? Acho que naquele momento fiquei decepcionado. Era mais fácil imaginar que ainda restava, no meio de tantas boas recordações, um pouco daquele amor que nos uniu, e não apenas algumas cordialidades. Depois de tudo aquilo, de tantos sentimentos, de dois abortos, de três separações e dois reatamentos, não deveria haver espaço para cordialidade. Não deveríamos conversar sobre Francinne e seus filhos, ou sobre como os dias tem ficado cada vez mais quentes e os programas de TV estão cada vez mais violentos. Deveríamos falar sobre aqueles segredos que trocamos em baixo dos lençóis naquela semana de folga que tiramos no interior depois de Luiza saiu do hospital. Mas apesar de tudo, acho que foi melhor assim. Estamos velhos, de qualquer forma. Não aguentaríamos uma paixão como a nossa de novo. Iríamos ficar sufocado com um amor daquele. Era melhor vê-los transforma-se nesse sorriso cúmplice que você me deu antes de ir para o caixa. Fez tudo valer a pena.

Um comentário:

  1. Fiquei com vontade de fazer uma ligação inconveniente. Aliás, acho que vou passar um tempo sem ler este blog... para me evitar alguns transtornos... aff! hehe beijos

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