segunda-feira, 16 de junho de 2014

Vírus

"Mãe, acho que tô doente"

Ela estava atravessada na cama, ardendo em febre. Ao lado dela o notebook ligado, a página de uma rede social do moço. Ela passava os álbuns de foto em revista, sorrindo.

"O que você tem, filha?"

No chat, uma amiga perguntava pelo moço. Ela, ainda deitada, respondeu que só chegaria de viagem em dois dias. A viagem que duraria uma semana e já durava quase um mês. Ela sentiu ânsia.

"Ânsia de vômito. Febre. Tontura."

Ela e o moço se conheceram há uns cinco meses, numa festa. Beberam, dançaram, sorriram, e de lá foram para o apartamento dela. Era uma sexta. Ele só foi embora no domingo. Ela lembrou desse primeiro final de semana e a ânsia aumentou. Quis chorar.

"Ih, filha, será que é dengue?"

A amiga perguntou se eles estavam namorando. Ela respondeu que não sabia, e não podia ter sido mais honesta. Com seus 30 anos, nunca tivera um namorado a sério. Namorou por algumas semanas com um rapaz, na época da escola, mas a lembrança que tinha disso era amarga. Na verdade, o rapaz dissera à época, pra quem quisesse ouvir, que ela era amarga. Sem coração. Que não sabia amar.

"Ai, mãe, não sei. Tô com vontade de chorar. Tô sentindo um aperto, sabe? Uma dor aqui do lado esquerdo."

Ela, de fato, não sabia amar. Nunca amara na vida. Não havia razão específica para isso: não sofrera uma grande decepção, foi criada rodeada de amor e carinho, só não sentiu nada além de desejo pelas pessoas que frequentaram sua cama. Nem homens nem mulheres. Ah, ela se esforçou, mas nunca encontrou o tal do amor.

"Deve ser uma virose. Te pego aí pra te levar no médico, ok? Quinze minutinhos."

Ela desligou o telefone e rolou na cama, olhando pro teto. Não era de ficar doente. Mas, de uns tempos pra cá, ela adoecia com uma certa frequência.

A amiga voltou a chamar no chat, mas ela fechou a conversa e desligou o notebook. Tomou um banho gelado pra tentar aplacar a febre, mas não resolveu. Pouco depois do banho o moço ligou. Disse que sentia falta do cheiro dela, que estava tentando adiantar o retorno, que ansiava para vê-la. O estômago dela se revirou, a febre aumentou, seu rosto estava em brasa, o calor de seu corpo era palpável. Ela disse que não aguentava mais de saudade, pediu que ele voltasse logo pra ela porque ela, pra variar, havia adoecido e sentia falta do cuidado dele.

"Já reparou que você só fica assim quando eu preciso me ausentar? Acho que te faço mal.", ele fez charme. Ela riu, exasperada. "Não, quando você volta eu sempre fico bem. Você é meu remedinho."

No caminho pro hospital ela narrou os sintomas pra mãe. Falou da febre que não cessava nunca, do embrulho infalível no estômago, da ânsia cheia de ânsia do não sei o quê. A mãe perguntava sobre a ocorrência e a frequência dos sintomas, já com um meio sorriso, e ela respondia que se sentia melhor quando o moço estava. Que mesmo quando eles ficavam uns dois dias sem se falar ela se sabia bem porque ele tava ali, e quando o período era superior a isso ela sentia a casa cheia de ausências e já ficava assustada e irritadiça, e já se sentia indisposta e não queria fazer nada, e a febre queimava e queimava e queimava.

A mãe deu meia-volta. "Mãe, o hospital é pra lá", ela argumentou. "Filha, pra isso aí não tem médico, benzedeiro ou curandeiro que dê jeito. Isso aí, minha filha, é mal de amor". Ela sorriu, incrédula. Mas, ora, como haveria de saber que não era se nunca antes tinha experimentado aquilo? A mãe lhe explicou, com calma. Ela entendeu.

"Mas é assim, como vírus?"

"Sim, filha. Amor é assim, feito vírus."

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