Era a quarta série e você deve ter sido o meu primeiro melhor amigo. Tínhamos uma amizade delicada: você se sentava à minha frente, trocávamos lápis de cor e dividíamos o lanche. Você, inclusive, me deixava cuidar do seu “tamagotchi”, até eu ter o meu e a gente cuidar do “filhotinho” um do outro. Posso dizer que era amor do nosso jeito? Na quinta série, veio uma vontade inexplicável de te beijar. E foi na saída de uma aula qualquer, na garagem da escola, que nossos lábios se tocaram e, antes mesmo que abríssemos os olhos, eu – logo eu - te pedi em namoro e você aceitou.
O caminho daquele Colégio Meta I até o escritório do meu pai, de repente, ficou muito estranho. Eu fiz uma caminhada saltitante, leve e, ao mesmo tempo, cheia de medo: será que estava escrito na minha testa que eu acabara de dar o meu primeiro beijo e tinha agora um namorado? Qualquer reação podia ser suspeita... A tarde foi longa, muito longa, muito, muito, muito longa, longa o suficiente para eu chorar perdidamente e me arrepender do pedido que fizera. Me arrependi a ponto de inventar uma mentira e ligar para minha melhor amiga de então – que tinha acompanhado tudo, desde a minha decisão até o fato consumado – e pedir para que ela desse um recado a você: o namoro estava cancelado. Inventei que tinha recebido uma mensagem do além dizendo que aquilo não podia continuar, que estava tudo errado e que um dia nós iríamos entender. Afinal, era a quinta-série, e eu lá sabia o que significava estar namorando, só sabia que não estava pronta praquilo e nem tinha jeito para explicar.
Naquela aula seguinte eu poderia ter fingido uma dor de barriga, forçado algum vômito ou ter paralisado o pé e ficado em casa. Mas não: eu encarei o mundo. Na escola, todos já sabiam do nosso beijo e você passou por mim com um ar boçal que eu nunca tinha conhecido, acompanhado por todos aqueles garotos bobos e idiotas. Minha amiga ficou de dar o recado, mas não conseguia; você, afinal, não queria ouvir a ninguém, apenas curtir o seu momento. Eu fiquei na minha...
Quando a minha amiga te contou que eu não queria mais namorá-lo, você ficou puto e mandou me dizer para nunca mais olhar na sua cara. Exatamente assim. Senti um alívio estranho. Afinal, não estava mais namorando, mas, também, acabava de perder o meu primeiro melhor amigo. De qualquer forma, meu coração ficou tranqüilo, como se soubesse que te guardaria sem dor. Não estudávamos mais juntos e você passou para o turno da tarde. Desde então, nunca mais nos falamos nem nos vimos. E a vida foi passando... (assim como outros beijos e namoros iniciados e inexplicavelmente mal-acabados...)
Cerca de 12 anos depois, é num almoço rotineiro lá no O Paço, que eu te vejo. De blusa listrada, boné escondendo os cabelos lisos que caíam sobre os teus olhos (eu os achava tão lindo: os cabelos e os olhos...). E você ainda de aparelho nos dentes! Você chegou com uma garota loira, de cabelos cacheados, que talvez seja a sua namorada ou qualquer outra coisa. Mas, eu ainda poderia olhar na sua cara?! Eu sei que você me viu, mas eu virei o rosto sabe-se lá por quê. Talvez você nem me reconhecesse. Talvez você percebesse que eu já fui mais bonita ou notasse o quanto meus seios cresceram. Mas eu não poderia sair dalí sem alguma certeza, e sem te mostrar que ainda lembro.
Esperei os nossos olhos se cruzarem mais uma vez e, quando menos esperei, você piscou com um dos seus olhos castanhos e deu um sorriso discreto com o canto da boca. Não seria mentira e muito menos exagero dizer que foi um momento pleno e singelo onde tudo à volta congela e desaparece. Eu queria poder te contar do que eu não esqueci. E da leveza que o seu sorriso e aquele seu olhar (que, eu sei, viram também uma história) me proporcionaram naquele momento.
Eu fiquei com um sorriso bobo, revivendo coisas e imaginando outras... Foi então, que meu irmão fez alguma piada comentando que eu estava rindo sozinha. Sim, eu estava, afinal: lembrar do nosso primeiro beijo – que foi também o nosso último encontro - é sempre bom. Agora, poder lembrar também do nosso mais novo último encontro, será melhor ainda.
Acho que a graça do narrador está em nos fazer querer se imaginar no lugar dos outros personagens. Nesse texto tu consegue. Quem não lê e se imagina 'o cara do primeiro beijo'? É... tua escrita tá a cada dia mais madura e sem perder a cara de menina.
ResponderExcluiro primeiro namorado a gente nunca esquece. mesmo que seja por menos de um dia.
ResponderExcluirIsso aqui tá cada dia mais com cara de Confraria mesmo. Só comentários suspeitas... hahaha =*
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