quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Por que opostas, atraem-se quando dispostas, as cores...*

Não sei começar pelo começo. Adio sempre a decisão do relacionamento sério com o papel. Assim, o memorial descritivo que eu quis fazer sobre as cores pode não acontecer antes do espaço desse retângulo branco e fino acabar. A chama incipiente para a escrita deve vir como um chiste, uma anedota. Eu devo ironizar os fatos ou torno a vida em letras uma tristeza. Então começo.

Também não compreendo: Eram arabescos sob minhas mãos apertadas, os meus olhos voltando sempre para a fuga, os meus beijos mudos. Eu não queria ser abraçada, mas também não queria dormir sozinha...

Começo?!

Era o verde... Como cheguei, ali, ai, Deusa! Quando eu cheguei? Porque a cor que eu era estava repleta de pragas, e eu sei lá! Eram todas as pragas. Desde o ódio ao tédio.

Ele era o verde! A natureza, a primavera, a juventude, a boa sorte e todas as coisas que trazem desenvolvimento e esperança. Sabíamos que eu era a cor oposta ou o vermelho ao cipreste era apenas atrativo, inebriante?

Também a mim, que devia ser paixão, força, energia, amor, liderança, masculinidade, perigo, fogo, raiva e revolução, chegava a agonia de não entender a outra cor. Eu era o vermelho. Vocês sabem? A cor oposta ao verde...

Aquilo devia ser agonia. O que eu sentia não era exatamente o que as cores opostas, quando misturadas, acometem. Com o Preto e Branco vocês podem compreender melhor. Desponta o Sol sob a beleza de um casal contrário. Na paleta real das cores, primárias e secundárias quando opostas formam Cinza. A cor mais neutra e sem graça que eu já conheci!

E eu não sei por que pecados pago agora nesta noite que mais parece eterna. É cinza o céu. É cinza o meu peito. É cinza a cor da minha alma. Mas é verde todo o meu pensamento.

Pensei esta manhã em pintar de azul os cabelos de uma das cinco mulheres que eu criei sob o espectro de mim. Mas quando dei por mim, todo o resto da tela estava pintado de vermelho, verde e cinza. E cinza não porque eu quis, mas porque as cores opostas quando se misturam caem na mesmice da cor mais neutra e sem graça que eu já vi.

E eu era toda a cor vermelho. Mas quando chegava o verde com o panteísmo e a complexidade, as chamas da minha combustão espontânea prostrada, era vencida pelas desastradas florestas mágicas da tonalidade formada por duas cores primárias como eu. E que verde era aquele? Eu saberia designar para os outros uma infinidade de variantes de musgo, lima, mar, broto, jade, esmeralda, menta, grama, oliva e outras, muitas, muitas outras. Mas aquele eu nunca vi. Era tal a força mística daquela percepção visual quase inexorável de excitação da minha curiosidade.

Eu saberia bem dizer que verde é cor-luz primária ou uma cor-pigmento secundária composta pelo ciano e amarelo. Mas não. Naquelas horas preferia pensar que havia um pouco de vermelho também no azul, formando o índigo. Assim eu não sentia a unilateralidade do meu espasmo.

Ah! Eu também não disse que nunca acaba o meu texto. O início tarda, mas a conclusão também não é meu forte. Afinal, as minhas variações são imensuráveis, e de vermelho em todos os tons, eu vou deixando puírem palavras das mais insignificantes, porque nunca faço sentido. (Explico: Vermelho é ódio e amor. Alegria e dor. Como posso ser inteligível também a mim? Tão contrária, acabo por neutralizar-me. E no verde, então? Escolho um dos lados ou escolho a morte. Acinzentar-me seria sutil demais para a minha significância).

O que será, pois, se eu não findar o texto?

Deve ser trivial que eu conte então, que alguma parte do meu corpo de que eu não tinha consciência agora reclamavam horas de atenção. Eu via o farol luzindo na cor laranja. Devia ser mesmo perigoso. Devia eu manter a atenção. Mas que era o mundo ao meu amor? Que era o círculo cromático à minha retina? Que ordem haveria na freqüência espectral se eu não pensasse no esplendor do mágico respeito pela experiência de deixar o posto rubro e tomar a sem-gracinha tabela de acinzentados?

Eu vi quando encostei a mão na sua mão, sem querer e sem que ele sentisse, Matiz, Luminosidade e Saturação. Tudo num segundo, como nunca, porque eu detestava antes a forma circular nas representações quaisquer.

Mas moço, tenho que parar? Findar o que recordo?

Dize-me como? Se nunca, nunca antes houvera a profusão de um riso em mim, por ser piegas e virar paixão como se fosse como qualquer outro vermelho... Tola, tola, ai, como era tola pensando no respeito pela cor de Deus, a alma emudecida pela atração pelo ininteligível, como desejo, capricho, qualquer coisa que influísse um manto de pureza na minha tonalidade primária.

Aquele tom. Olha... Aquele tom, não é possível que o gerasse outra vez um Deus. Porque incompreensível a paciência de sofrê-lo um pouco mais, delicadamente, outra que não eu.

E silencio! Os beijos mudos? Não sei... Mas ó, paixão que sou e guardo a alma cheia de contrastes felizes e tristes, sem admitir realmente que o apetite é raro pela dor de amar. Silencio! As minhas variações cevando todo esse espaço que é o silêncio, porque a folha já acaba o verso. Canto as cores dos lábios que não toco. Quais não sei, porque os olhos vidram.

A cor não pode ser representada. Porventura, é sem nome! Inexiste. Portanto, é eterna. E não limita o acaso de uma narrativa pormenorizada. Eis um verde inopinável...

*Texto de Clara Campelo do blog Zebra Trash

5 comentários:

  1. O vermelho se apaixonou pelo verde, que era cor de gente casada: eram o amarelo e o azul, ali juntinhos!

    Haha, bonito texto.

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  2. A Clara escreve muito bem, e adorei a participação dela aqui na confrur. Espero qualquer hora dessas ter meu texto aqui também rs


    =)

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