quarta-feira, 3 de março de 2010

Romântico a la Macondo*

No meu primeiro texto publicado nesta confraria fui apresentado por meu amigo Helder como romântico e confesso que isso teve certo impacto sobre meus pensamentos. Primeiro gostei, soou como elogio, até mesmo me envaideci, mas depois senti que não era digno de tal atribuição fiquei tentado a pedir uma correção, afinal, nunca me defini desta maneira, contudo, foi aí que indaguei: O que define o romântico?

Nessa confusão mental/emocional/intelectual tentei esboçar alguns significados e, assim, eu rejeitei e aceitei a atribuição dada alternadamente a cada hipótese que eu formulava sobre o que é ser um romântico. Mas enfim fui caindo em mim, recobrando de certa forma a razão conceitual das coisas e encontrando algum norte.

A contragosto meu a primeira imagem que me vem à cabeça quando ouço a palavra “romântico” é um buquê de rosas ou um par de alianças ou ainda aquele presentão surpresa e, apesar de conceber tal associação como uma grande bobagem muito distante do romantismo real, esta vinculação é quase sempre irresistível. É como um pensamento reflexo, uma reação automática, como o cachorro que saliva só de ver a comida. Pode até ser que tal reflexo se explique pelos anos de novela que acumulei (e tenho certeza que nesse Brasil não somente eu carrego essa culpa), mas o fato é que essas cenas da ficção se reproduzem também na vida real, e pior, nós muitas vezes nos contentamos com elas.

Certa vez vi uma colega de trabalho ganhando de seu “romântico” marido um lindo buquê de rosas vermelhas, que não foi entregue por ele em casa, mas pela floricultura no trabalho, enfim, todas as mulheres do escritório viram naquele gesto uma linda declaração de amor, permeada de romantismo, elas inclusive, tenho quase certeza disso, sentiram uma pontinha de inveja. Vi a mesma cena que todos, mas talvez não com os mesmos olhos, me desculpem elas, pois não observei nada demais, para falar a verdade até reprovei, claro que comigo mesmo. Fiquei me perguntando “Eles se conheceram no trabalho?” “Será que o marido dela viajou e não pôde entregar com suas próprias mãos” ou “Deve estar em uma cama de hospital acometido por doença grave?”, eu na verdade sabia a resposta para todas essas perguntas, que era não. Mas é que para mim, compreendam amigos leitores minha ranzinzisse, nada justificava o local escolhido para o jubilo, afinal essa simples opção territorial subvertia a lógica do amor, não que eu não goste de trabalho, mas o escritório não era o melhor lugar para o amor de dois pombinhos apaixonados. Tal evento me fez refletir sobre a verdade daquela e de outras atitudes e me perguntei: Será o romantismo um jogo de aparências em que, nesse caso, o objetivo era as amigas verem e invejarem uma condição que podia nem ser real?

Definitivamente não acredito nesse romântico, vejo em atos como este um esforço de materializar o afeto numa tentativa de parecer o que não é ou de aparentar muito mais do que existe realmente, num processo de convencimento do outro e às vezes de si mesmo. Identifico nisso um mecanismo compensatório em que na falta de afeto se utiliza os símbolos deste, como se eles fossem capazes de substituir, não podem. Esta tentativa de dissimular a si e ao outro revela uma série de vazios, como bolhas, dando a sensação de que o amor é bonito cheio de fitas cintilantes e belos embrulhos, todavia oco de significados. Isso tudo parece um espelho de nossa sociedade atual, não a toa nunca se viu tanta depressão, ansiedade e pânico, considerada por psicólogos e psicanalistas as doenças do vazio.

De modo geral, não me contento com clichês, eu os acho atalhos bem pífios de reflexões verdadeiramente sérias, e por isso nessa pequena odisséia para definir o romântico acabei rejeitando a idéia de romantismo como ligado ao amor de vitrine ou das lindas histórias novelescas e hollywoodianas e, trocando em miúdos até para ficar menos alegórico, descartei a idéia do amor incondicional e idealizado com a pretensão de excluir tudo que é estereotipado sobre os sentimentos que unem duas pessoas. Resultado, descobri que há um universo de possibilidades, muito rico para utilizarmos sempre as mesmas expressões e idéias sobre o que é o amor.

O amor não é colorido e bonito, não acredito nem em sininhos tocando nem em borboletas no estômago. O amor é simples, e não tem forma nem cor, e romântico por sua vez não é aquilo que se caracteriza por irracional e desvairado, é o dia-a-dia é o que nem sabe se porque e como, é o que se sente quando há saudade, quando se pensa que perdeu, é quando se ganha, é o cuidado, é o olhar, é o pensar, é o pedir em namoro, é o reatar e em alguns casos é até mesmo o terminar, é quando se olha pra trás e pensa valeu a pena ou para o presente e pensa vale a pena. Romântico pode até mesmo ser, como disse a Daniela, ver o sangrento UFC, porque não tem a ver com a luta ou o evento em si, mas com a relação em que tudo é detalhe e símbolo do que realmente constitui o amor.

Vejo o romantismo muito mais no cotidiano, no simples e no rotineiro do que no extraordinário, e engraçado que dessa forma começo a achar que o simples é que é extraordinário, como na Macondo de Gabriel Garcia Marquez em que essas coisas se misturam de tal modo a fundir-se numa só e aí já não se sabe direito o que é o que.

O autor dessa croniqueta é João Vianna. Ele acaba de descobrir e catalogar com seu próprio exemplo um grande achado antropológico para o romântismo: o espécime denominado "romântico a la Macondo".

2 comentários:

  1. Concordo, o "amor enlatado" é o produto vendido pela mídia, assimilado pelos que desejam um, e praticado (flores no trabalho) por quem QUASE sempre quer mostrar mais do que tem pra dar.
    Quem disse que pra ser romantico tem que ser piegas? è isso aí, o romantismo está no dia-a-dia, nos pequenos atos. Mas esse colorido que se dá, ahhh.. é tão gostoso, mas não pode iludir. Vixe, me empolguei :p

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