terça-feira, 10 de julho de 2012

Cena 02

Essa série de textos se baseia em sonhos que tive, que acabei condensando numa historinha de amor. A primeira parte você encontra aqui.


Dias depois recebi a ligação do escritório dela marcando uma nova reunião. Obviamente achei que tinha algo estranho, pois a primeira reunião tinha sido marcada por ela, pessoalmente, e fora do escritório. Talvez ela não estivesse à vontade, e provavelmente eu não ficaria também, se assim o fosse. Mas eu precisava do contrato. E tinha pensado nela somente uma vez por dia desde então. Valia a pena tentar.

A reunião foi numa quarta à tarde, e tinha umas quatrocentos e cinquenta pessoas na sala. Não, éramos só nós dois e a secretária, e o pai dela numa videoconferência. Obviamente achei que ela estava evitando ficar a sós comigo, e me fechei em copas. Talvez não quisesse que ela soubesse que pensara nela, ou que o incômodo dela me incomodava. Assim permaneci até o fim da reunião, quando ela me convidou pra um cigarro.

__ Te achei bastante...misterioso hoje.

__ Misterioso? Hahaha...não, estava apenas concentrado.

__ Hum. E como vai tudo?

__ Bem tranquilo. É...como eu me saí? Será que consigo o contrato?

__ Ah, sim. Imagino que sim, deu tudo certo lá dentro. Meu pai pareceu gostar de você. Amanhã a Susi te liga pra dar a resposta.

__ Hum, ok.

__ É...sobre o outro dia...

__ Não, não precisa. Não vamos falar disso não.

__ Mexeu comigo, sabe?

Olhei pra ela surpreso e quase engasguei com a fumaça do cigarro. Eu conseguia ser bem ridículo às vezes.

__ E?

Ela ficou em silêncio por um instante, depois me olhou com um meio sorriso.

__ E eu liguei pro meu noivo no dia seguinte. Sem lágrimas, sem álcool, sabe?

__ E?

__ Daí nos encontramos à noite. Conversamos bastante, foi tudo muito esclarecedor.

__ E?

__ Eu realmente quero tentar isso, sabe? Fazer dar certo com ele.

__ Ah. Ok.

Tentei me concentrar no cigarro pra não demonstrar minha clara decepção com o rumo que a conversa tomara. Ela voltou ao silêncio, olhando pro sol.

__ Bom, eu preciso ir. Posso esperar a ligação da sua secretária pra amanhã?

__ Pode sim, Filipe. Depois nos falamos. Tomar uma cerveja, sei lá.

__ Claro, claro. Até mais.


No dia seguinte a secretária ligou, e de fato o contrato era meu. Pouco depois ela mesma me ligou.

__ Viu? Eu disse que você ia conseguir. Meu pai gostou bastante do seu portfólio.

__ Que bom. Depois que eu saí do escritório tive muita dificuldade pra conseguir novos clientes. Tava até considerando dar aula. Mas é meio frustrante.

__ Não, vai ser ótimo. A Susi te mandou por e-mail alguns documentos, preciso que você dê uma olhada e responda, tá? E se puder mandar algum rascunho pra segunda-feira também...

__ Segunda? É...sabe o que é? Eu sei que acabamos de fechar um contrato e tal, e você agora é minha cliente, mas é que esse final de semana tô de viagem marcada pro Rio. Vou ver a final do campeonato carioca. Tem como adiar esse prazo pra mim até, sei lá, quarta da semana que vem?

__ Final do carioca, é? E você torce pra qual time?

__ Botafogo. Mas não é culpa minha, sabe?

__ Hahahahaha, tudo bem. Você deve ser o único botafoguense com menos de cem anos no mundo. Tá com o ingresso pro jogo comprado já?

__ Sim. É meio que um ritual.

__ Ah, é?

__ Meu pai era botafoguense também. Ele morreu ano passado. Nós nunca nos damos muito bem, mas os domingos eram ótimos. A gente sempre ia junto pro estádio. Ali podíamos ser só pai e filho.

__ Ah...nossa, nem sei o que dizer.

__ Na verdade eu tô brincando. Meu pai tá vivo e torce pro Flamengo. E nos damos muito bem, apesar disso.

__ Nossa, que engraçado. Tudo isso só pra me convencer a te liberar no final de semana?

__ Pois é...peguei pesado, né?

__ Não, tá ok. Acho até que a gente podia se encontrar lá. Eu chego no Rio domingo de manhã.

__ Vai a trabalho?

__ Não, vou ver o Flamengo ser campeão em cima do seu timinho.

__ Claro que você tinha que ser flamenguista.

__ Enfim, só não comprei o ingresso ainda. Me manda o setor que você comprou pra eu comprar perto.

__ Hum...ok.

Fiz um suspense, mas acabei perguntando.

__ Seu noivo vai também?

__ Ah, não. Não, ele não suporta futebol.

__ Ah. Eu chego no Rio na sexta, posso comprar seu ingresso se você quiser.

__ Ok.

__ Por isso perguntei se seu noivo ia, pra saber se seriam dois ingressos.

__ Ah. Entendi.

__ Enfim. Eu preciso desligar, quando chegar me avisa. Vai ficar em hotel?

__ Não, meu pai tem apartamento lá. Eu te ligo. Beijo.

“Seu noivo vai também?” foi, certamente, a pergunta mais estúpida que já fiz na vida.

No domingo ela me ligou cedo, bem cedo. Dez da manhã, pra mim, é bem cedo. Disse que como não podia beber no estádio a gente precisava encher a cara antes, eu mais do que ela tendo em vista que meu time ia perder. Deus, que mulher fantástica. A gente se encontrou na praia, ela de bermuda jeans e camisa do Flamengo, absolutamente linda. Conversamos amenidades, o projeto de arquitetura, o histórico do jogo que veríamos mais tarde, como o sol tava bonito, como o Rio era bonito e ela tinha vontade de morar lá, todas essas besteiras que existem pra gente conversar quando não quer falar sobre o que realmente importa. Eu continuava me encantando, mesmo sabendo que depois de tudo ela voltaria para o noivo e eu continuaria sendo só o arquiteto responsável pelo novo projeto do escritório dela. Não sou do tipo que faz essas coisas, mas tava ali fazendo, e nem sei bem porquê.

O jogo - não vou entrar em detalhes a respeito do jogo em si, porque meu time perdeu – só serviu pra aumentar o estrago. Ela era apaixonada por futebol. E estava completamente bêbada. E ficou lá, com a camisa do Flamengo no meio da torcida rival, gritando, xingando o goleiro – que chegou a fazer um gesto obsceno pra ela – xingando a mãe do juiz e por aí. Era fantástica, absolutamente fantástica. Ao apito final do juiz ela me olhou com o maior sorriso do mundo e me abraçou.

__ Hoje tem festa na favela.

Eu sorri, e voltamos àquele momento anterior, em que ficamos abraçados, ela sorrindo e eu olhando pra ela, e o olhar dela me puxando. E eu sorri também. E ela parou de sorrir de repente, e abaixou a cabeça. Eu soltei o abraço.

__ Tudo bem aí?

__ Sim. Vamos indo? Tem um bar aqui pertinho que é ótimo, cerveja bem gelada e o melhor frango a passarinho do Rio de Janeiro.

__ Sabe, eu vou voltando pro hotel. Amanhã tenho muito trabalho a fazer, preciso descansar.

__ Vai ficar chorando sozinho no quarto só porque seu time perdeu?

Ela voltou a sorrir. E lá fui eu, no sorriso dela.

Saímos do bar era alta madrugada, e dessa vez eu estava tão bêbado quanto ela. Ela jurou que o bar ficava perto do apartamento onde ela estava hospedada e que dava pra ir andando. Falei pra ela que tinha medo de ser assaltado e ela falou que todos os marginais estavam comemorando o título, então não haveria perigo. A cidade ainda soltava fogos pelo jogo.

__ Admiro essa capacidade que você tem de rir de si mesma. Normalmente o pessoal se estressa quando a gente faz esse tipo de brincadeira a respeito da torcida.

__ Bom, posso até ser marginal, mas sou campeã. Né?

Outro sorriso. E eu afundando.

Andamos bastante, até chegarmos numa parquinho caindo aos pedaços. Me sentei no chão e ela no balanço.

__ Sobre o que aconteceu com a gente da outra vez...eu não fui totalmente sincera, sabe?

Tentei fingir que não me importava. Falhei, porque ela continuava lá sorrindo, senhora de mim.

__ Eu realmente liguei pro meu noivo. Nós realmente conversamos. Mas eu não sei se eu quero fazer isso.

__ Isso o quê?

__ Fazer dar certo com ele. Eu pelo menos não devia querer, né? Poxa, ele cancelou o casamento e disse que não queria mais saber de mim. Eu não devia estar atrás disso. Ou devia?

__ Vocês conversaram de novo?

__ Não...falei que ia ligar, mas não liguei. Ele me mandou um e-mail dizendo que ia pra fazenda no fim de semana, que eu podia ir pra gente conversar e ver como ficava, aí eu respondi que vinha pra cá ver o jogo e quando eu percebi a gente tava brigando por e-mail.

__ Hum.

__ Mas nem foi só por isso que eu vim pro Rio.

__ Não?

__ Não.

Um minuto eterno.

__ Meu pai pediu pra eu ficar de olho em você. Ele diz que você é um desses moderninhos metidos a mendigo por conta da barba.

O centésimo sorriso, o tiro de misericórdia. Eu sorri também. Ficamos em silêncio por muito tempo, até que ela se levantou impaciente.

__ Tô esperando a música. Toda vez que eu bebo com você e a gente para numa praça tem trilha sonora. Aí você me beija e eu me sinto uma diva do cinema.

Eu também me levantei, com toda a dificuldade do mundo pra não cair. Ficamos olhando ao redor, de fato procurando a música. E nada. Só o barulho distante dos fogos. Cansei de esperar e dei um passo à frente.

__ Bom, eu posso te beijar assim mesmo.

__ É, eu acho que pode.

E nos beijamos. E os fogos de artifício, aparentemente, ficaram mais próximos, e clareavam a praça, enquanto a gente se beijava. E ela me apertou forte contra ela, e os fogos ali pertinho. E a música começou. E ela me apertou mais forte ainda. Paramos de nos beijar e olhamos ao redor. Nada, só o clarão dos fogos. Ela sorriu e me abraçou. E falou no meu ouvido bem baixinho

__ Isso não é justo. Eu adoro essa música.

__ Peço desculpa pelo atraso. Faltou sincronizar.

__ Mas você ganha pontos extras pelos efeitos especiais.

Me puxou pela mão. Olhei pra ela ainda parado, perguntando pra onde a gente ia.

__ Vem. Vamos nos perder por aí.

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