Nem quero ser
domingo, 21 de outubro de 2012
Com todo o amor
Nem quero ser
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Fim
domingo, 23 de setembro de 2012
A estante
terça-feira, 24 de julho de 2012
Cena 03
terça-feira, 17 de julho de 2012
Tanto

Quero todo dia
Sua companhia
Ter a sua voz
Ao pé do ouvido
Ter o seu olhar dentro do meu
Esse amor constante vivido
Por você e eu.
Te amo tanto é o que vou dizer
Com os seus dedos entre os meus
Quero acordar e dormir vendo você
E nunca mais ter que dizer adeus.
Thaís Carvalho
Férias de nós
Nada nesse mundo me dá tanto trabalho quanto controlar borboletas destrambelhadas no estômago. Especialmente as nascidas por tua causa, com esse quê de mutantes, sanguessugas, chupa-cabras. Desse modo, só por isso, pelo cansaço de ter de andar na contramão para te acompanhar, correndo riscos demasiados, resolvi tirar férias tranquilas de nós. Devo confessar que também é árduo o trabalho de me conter para não te fazer provar do próprio destempero. Para não me igualar a ti, como se eu pudesse tirar férias de mim, resolvi tirar férias de nós. Mas, tão fatalmente obvio, aonde eu vou, estou. Aonde eu vou, estamos. E, em se tratando de saudade, quando os olhos não veem é que o coração sente. Agora preciso te dizer que não há borboleta no estômago, mutante ou sanguessuga, que resista a azia causada por tua constante acidez. Eu sei, parece mais acertado chutar o balde antes que ele fique cheio demais. Passamos da conta, tudo bem. Quando você passou a dizer "Madalena, quando o stresse é maior que o prazer, não vale a pena" eu percebi que sempre fomos, um para o outro, como aquele sapato lindo que no pé nunca coube, e mesmo fazendo tanto calo a gente resiste
terça-feira, 10 de julho de 2012
Cena 02
Essa série de textos se baseia em sonhos que tive, que acabei condensando numa historinha de amor. A primeira parte você encontra aqui.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
calendário
originalmente postado no meu blog de amores fictícios ou não, Acriando.
terça-feira, 22 de maio de 2012
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Cena 01
Fui ao seu encontro sem saber como proceder: nos falamos algumas vezes por telefone e e-mail, e sempre no tom profissional do trabalho. Não tinha idéia de como ela se permitira vir bêbada ao meu encontro. Mas fui ter com ela. Chamei-a pelo nome, ela me olhou surpresa.
__ Você quem é?
__ Filipe. Nos falamos hoje cedo por telefone.
__ OOOOOOIII, Filipe. Vai me desculpar. Acabei de ser deixada no altar.
__ Como?
__ Não que eu estivesse no altar dez minutos atrás. Não, mas tava quase lá. Filipe, ia me casar mês que vem. Daí meu noivo achou legal terminar comigo. E ainda me pediu a aliança de volta, vê só, pra empenhar.
E aí eu fazia o quê? Não sabia nem que ela era noiva. Como consolar alguém que não conheço? Era péssimo com essas coisas.
__ Daí, Filipe, daí resolvi beber. Nunca fui muito de beber, mas essa situação merecia um porre, não acha?
Ela passou por mim ainda rindo, o álcool misturado com o perfume dela, e eu fiquei...engraçado. Realmente não sabia o que fazer, então só fiquei ali parado, esperando pelo próximo movimento dela. Ela parou perto de mim, me jogou um olhar escrutinador e, por fim, estendeu a mão pra um cumprimento.
__ Oi, Filipe. Prazer te conhecer. Vai desculpando o mau jeito.
Eu meio que sorri, e fiz um aceno leve de cabeça. Ela devia me achar um idiota, pensei. E depois pensei no porquê de me preocupar com o que ela achava de mim. Mas me preocupei. E não quis parecer idiota. E falhei. O cumprimento não terminou, ela não soltou minha mão, por isso falhei.
__ Filipe, a gente pode deixar nossa reunião de trabalho prum outro dia? Hoje eu quero...
__ O quê?
__ Quero rodar. Vem, vamos rodar.
Descemos de mãos dadas pelas vielas do Centro. Ela ia num passo apressado e eu atrás tentando acompanhar mas sem parecer muito afoito. No passo apressado ela ia me narrando sua tragédia pessoal, de maneira não muito linear, e misturava o sorriso com lágrimas vez em quando. Daí ela parava, sem mais nem menos, se encostava no muro e fazia que não com a cabeça.
__ Posso te levar pra algum lugar?
__ Precisamos de mais bebida antes disso, Filipe. Não sei pra onde você quer me levar, mas sei que lá não tem bebida. E sem bebida não tem negócio hoje, Filipe.
__ Eu entendo. Mas tem algum lugar que você queira que eu te leve?
__ Tem, Filipe. Pior que tem.
Ela me arrastou até a Igreja Matriz. É.
__ Filipe, eu ia casar aqui mês que vem. Agora não vou mais. Ó, tem nem aliança mais no dedo, só a marquinha do sol. Era linda a minha aliança, Filipe. Agora tá empenhada.
Ela fez cara de surpresa, depois guardou um breve silêncio. De cabeça baixa, me perguntou se eu podia ajudá-la a contar pro padre que o casamento tinha sido cancelado.
__ Mas nesse estado? Você acha prudente? Afinal, é um padre, não sei se ele vai gostar de te ver assim.
__ Quem liga? Você liga? Eu não ligo pro que o padreco aí acha: eu fui largada. Se tô bebendo a culpa não é minha, se não tivesse sido largada tava linda em casa pensando nos docinhos da minha festa. Uma hora tava pensando nos docinhos e de repente virei um pudim de cana. E eu não ligo, Filipe. E você parece ser um cara muito bacana, então hoje, por mim, você também não vai ligar.
__ Mas ó, já é noite. Não acha melhor voltar aqui amanhã? Venho com você se você quiser, sem problema algum.
__ E você pretende passar a noite comigo pra vir aqui amanhã? Porque ó, hoje não durmo. Não tem como dormir, Filipe, ou tem? Como eu vou deitar a cabeça no travesseiro sem lembrar daquele desgraçado que me largou com o casamento todo pago? Porque, Filipe, eu não sei se eu te falei, mas tava tudo pago. Meu pai pagou tudo, coitado, até a lua-de-mel pra Fernando de Noronha ele pagou. Meu Deus do céu, Filipe, tenho nem como pagar pro meu pai essas coisas aí. Será que posso cobrar dele?
__ Escuta, vamos deixar a conversa com o padre pra amanhã. Deve ter outra coisa que você queira fazer agora.
Ela fez que sim com a cabeça e voltou a me arrastar pela cidade. Paramos em frente à loja de penhores. Claro. Estava fechada, mas ela não se deu por vencida. Bateu, bateu, bateu. O dono veio ter com ela meio indignado, mas ela chorou litros e ele enfim abriu a porta. Ela me pediu pra aguardar do lado de fora e entrou sozinha. Cinco minutos depois, veio ter comigo.
__ Você tem quinhentos reais aí? O infeliz empenhou minha aliança por essa mixaria. Não dá pra acreditar que eu ia casar com esse cara.
__ Tenho não.
__ Você pode ir no banco sacar?
__ Também não tenho no banco não.
Nem se tivesse, ela resmungou. Voltou pra loja e saiu um minutinho depois, brava, bem brava. O dono não quis devolver a aliança sem receber o valor do empenho. Não adiantou nem contar sua tragédia pessoal.
Seguimos andando pela cidade, parando ocasionalmente pra comprar bebida. Ela entornava vorazmente uma garrafa de pinga, da branca, a pior. Eu bebia uma cervejinha. Conversamos um pouco sobre ela, as coisas que ela fazia, as coisas que ela gostava, e a cada minuto eu gostava mais dela. E não conseguia vislumbrar um motivo sequer pra uma mulher como ela ser deixada. Tentei verbalizar isso, certamente a faria se sentir melhor, mas preferi não falar nada.
Já devia passar da meia-noite, já havíamos andado por horas. Paramos na praça, eu me sentei, ela ficou em pé, falando sozinha. Do nada a música começou a tocar. Era uma música antiga, me lembro de ouvir quando criança, meu pai escutava muito em vinil. Começou a tocar mas nem eu nem ela pudemos precisar de onde vinha: não havia uma luz acesa em nenhum prédio, nem carro passando, nada. E a música vinha alta e clara, tão perto da gente, e ao mesmo tempo de lugar nenhum. Ela parou, encantada. Sorriu, encantada. Eu olhei pra ela, encantado.
__ Parece que temos trilha sonora, Filipe.
Ela rodou, e rodou, e rodou. E aí parou e me encarou, as lágrimas escorrendo fartas. Eu a puxei pra perto e a beijei. Ela não resistiu. Nos beijamos longamente, e a música não terminava, e ela amoleceu no meu braço. Findo o beijo ela voltou a me olhar, e me puxava com o olhar pra ela. A música continuava, e eu a olhei por longos minutos, uma eternidade. Sorri. Ela sorriu também.
__ Me senti num filme, Filipe. Isso não é coisa que se faça.
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Mendigos, poetas e seus amores
Avistei um garoto que, como eu, levava cor nos cabelos e duvidava da vida: não sabia o que era falso, verso ou devaneio. “O que há de tão poético nessas Minas?” - Eu não cansava de me perguntar. Foi já na Estação Central do metrô que uma Sra. Gari, meio translúcida de cansaço, meio feliz de cachaça, avistou o trem (o trem de verdade), de longe, e disse: “Lá vem o bichão! Pode correr gente! Olha isso, de tão feio, é bonito!”.
Por estas Minas Gerais se vai em silêncio tranquilo, por algo que preenche o peito; se volta por algo que sufoca e não cabe mais. BH, afinal, é dona da grandeza que atrai e amedronta sua vizinhança. Em alguns casos, gera conflito e inveja, só por conta de sua completude e autonomia - como num amor não correspondido. E só quando brinquei de poeta e rabisquei estas linhas, que me dei conta que meu destino diário é a Estação Gameleira, aquela de mesmo nome da árvore da curva do rio, d’onde Rio Branco nasceu, lá no Acre. Viu só?
Mas o que eu queria, o que eu queria mesmo, era compreender estes olhares, ser poeta e ordenar algumas frases que expressassem bem o fato de que, naquele dia, embora houvesse sol, caqui e tempo, faltava alguém que deixasse as mãos firmes, ajudasse a ocupar o banco vazio e ouvisse o chamado (acreano) que diz: “cuida...”. E me dou conta da sensação de que tudo só pode ser somente quase perfeito.
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Mórbido*
*Texto de autoria de Silvio Margarido, diretamente de Brasília, publicado originalmente em seu blog, O Reino da Entonação.
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Do fim ao começo
pequeno grande monstro
quarta-feira, 18 de abril de 2012
No meio de tanta gente chata, eu encontrei você
Parece música da Marisa Monte, mas é a nossa história. Foi no meio daquela multidão que eu te vi. Estava com aquela blusa verde que nunca mais você usou e beijava um amigo meu. Fingi que não tinha percebido e te puxei pelo braço, tirando você da roda de amigos em que se encontrava e roubei um beijo enquanto as pessoas pulavam a nossa volta. Você ficou assustada e por um minuto pensei que fosse me dar um tapa na cara, e acho que cogitou isso, mas no final retribuiu. Retribuiu com gosto. No fundo musical nada de sinos, tocava um daqueles axés chatos de carnaval. Eu perguntei seu nome, mas não consegui entender direito. Era Carolina ou Carminha? E quando vi, você já tinha sumido no meio da multidão. Virei as costas, achando que nunca mais iria te ver. Quem diria que dois anos depois, estaríamos deitados nessa varanda construindo nossa vida juntos. Bem assim, lado a lado. Mas essa já é outra música.
terça-feira, 17 de abril de 2012
Os homens que não tinham medo de amar as mulheres
Rapaz, mas vocês são muito bestas mesmo. Esperto é o meu amigo André, que mal se achamegou com a sua digníssima e já saiu distribuindo, para quem quisesse e para quem não tivesse nem aí, a alegria de ter encontrado a sua metade da maçã. Bem aventurado o cabra, pois não tem vergonha de mandar essa ditadura dos relacionamentos pedra de gelo pro escambal.
Que fuleiragem!
Mania sem cabimento de dizer que demonstrar afeto é coisa dos fracos. Olhe, tô pra ver sujeito mais valente que meu comparsa de confraria Ulisses. O bicho não quis nem saber e tascou uma homenagem para sua Clara aqui no blog. Queria ser assim, ó.
Não custa ressaltar a saudade que sente. Macho sente falta da mulher sim. Vai sentir do quê?
Feliz mesmo era o Sinhorzinho Malta com sua Porcina e mais ninguém!
domingo, 15 de abril de 2012
Assinado eu
sábado, 10 de março de 2012
O elogio do tarado
Toda mulher quer, precisa e merece uma boa dose de taradice 0800 do seu compañero. É o olhar canalha que se dá ao desabotoar o sutiã com destreza, é a imoralidade dita no pé d’ouvido, é a mordiscada dadas nos bicos e juntas da fêmea, é o vap-vap sem pudor. Não fazemos mais que nosso dever cívico/cínico.
Sim, falo de cinismo ao se convidar para um sorvete geladíssimo com as intenções de, no final, convencer a querida a esquentar la vida y corazón. Toda dama – não, como diria Nelson Rodrigues, ‘só as normais’ – almeja roçadas na nuca, beijos com olhos fechados, dentadas egoístas, mãos hermeticamente encaixadas nos quadris.
O cabra macho joxó valoriza o gosto que lambuza a boca e infesta as narinas. Não tem a frescura do ‘isso aqui é ruim’. Pena dá daquelas donzelas que não assumem sua predileção pela sem-vergonhice a quatro paredes. Das pervertidas enrustidas. Daquelas que travam com pensamos do tipo ‘onde ele aprendeu isso?’.
Por outro lado, de nada adianta o brucutu cuspir macheza no boteco da esquina e se borrar nas calças se a mulher aparece com algum aparato sexyshopiano no momento do coito. Propaganda falsa. Procon no patife, minha senhora!
Sou tarado, sou canalha, tenho cara de safado e sou bom nisso. Tenho minha mulher ideal e sigo as indicações do mestre Chico Buarque sobre a profana: “Ela gosta do tango, do dengo, do mengo, domingo e de cócega. Ela pega e me pisca, belisca, petisca, me arrisca e me enrosca”. Valeu pela dica, Jorge Maravilha.
terça-feira, 6 de março de 2012
Carta aberta a Ovídio
Do homem na ilha
Conheci essa mulher e no mesmo dia me apaixonei. E logo depois de me apaixonar por ela, ela se apaixonou por mim e aconteceu de ficarmos juntos. Divina Providência. Ficamos juntos e éramos delirantemente felizes. Daí ela teve a ideia de vir pra cá, pra essa ilha, pra construir um mundo nosso, um mundo onde só a gente acontecesse de existir e só a gente daria conta da gente. Tinha um barco, me lembro sim que tinha um barco, uma pequena embarcação tosca de madeira, que ficava atracado na ilha pra quando a gente precisasse ir ao continente. Me lembro que a primeira vez que pisei na ilha me assustei porque não conseguia ver o continente. Me lembro que ela disse que era só questão de acostumar, que já que eu estava ali eu tinha que viver aquilo ali. Me lembro que disse a ela que abriria mão de toda uma vida pra ficar lá, se ela pudesse me garantir que ficaria lá comigo pra sempre. Me lembro que ela sorriu e disse que era pra sempre, que não tinha outro jeito de ser. Me lembro que quando chegamos ela mesma cuidou da casa, de todos os detalhes, e sempre ia ao continente pra buscar o que fosse preciso. E vivemos felizes aqui, por anos e anos. Até que um dia ela cansou, eu acho. Disse que queria voltar pra ilha. Daí eu disse a ela que não tinha como, que seríamos como estranhos lá fora porque já éramos tão um do outro que não havia a mínima possibilidade de ser de mais ninguém. Que ninguém mais lembraria de mim porque eu tinha deixado tudo pra trás sem nem avisar, que eu tinha simplesmente ido e não tinha como voltar. Me lembro que chorei pedindo pra ela não fazer pouco do meu gesto. Mas ela insistiu. Então combinamos que ela poderia passar uns dias no continente, pra matar a saudade do que quer que fosse, e depois voltaria sem remorso de ter deixado tudo aquilo pra trás. Quer dizer, era o que aconteceria comigo caso eu quisesse ir embora da ilha: ao botar os pés no continente, ia perceber que o meu lugar no mundo era o peito onde ela me abrigava nas noites de tormenta e não teria sentido em insistir nisso. Porque há anos eu tinha saído do continente sem olhar pra trás e não saberia reconhecê-lo, nem conseguiria encará-lo de frente. Eu acreditei nisso. E pedi pra ela lembrar disso quando lá estivesse, e pedi pra ela lembrar de quantas noites pedi pra voltar e ela me abraçava e dizia “não tem necessidade de voltar porque é aqui nosso lugar, é aqui que somos de verdade e é aqui que vamos ficar pra sempre”. Ela prometeu que ia lembrar. E entrou no barco e partiu. Foi pro continente e dias após voltou, e pareceu mais disposta, e pareceu verdadeiramente feliz em estar ali pra sempre. E eu agradeci por ela não ter me deixado ir quando eu quis, porque senão eu findaria sem ela e sem luz pros meus dias. Mas eu a via chorar à noite, e não sabia que a saudade do continente tinha apertado tanto. Fiquei triste por ela, e claro que a única solução seria queimar o barco. Se voltar ao continente tinha feito mal a ela, não voltaríamos nunca mais. Queimei o barco. Tinha ouvido isso numa canção e achei extremamente poético. Então queimei o barco. Ela chorou dias e dias seguidos, disse que queria a vida dela de volta. E eu só conseguia dizer “fiz isso por você”. Ela não ouvia, ela se olhava no espelho e dizia que não se reconhecia, ela me olhava e dizia que não me amava mais. Que eu a sufocava naquela ilha. Que era egoísmo meu ter queimado o barco. Eu chorava e repetia “fiz isso por você, fiz isso por nós, porque eu acreditava na gente”. Ela não ouvia. E não me abraçava mais, e quando me beijava era tão fria que doía. E eu repetia “foi por você, só por você”.
Me lembro que isso durou uns meses, não sei precisar quanto tempo, mas pareceu uma eternidade. E um dia eu acordei e ela não estava. Corri pra praia e a vi no mar, nadando em direção a uma embarcação que passava próxima. A primeira embarcação que vi passar em anos. A primeira embarcação e ela partiu. Da praia eu a vi ser resgatada pelos tripulantes do navio e não olhar uma única vez pra trás, assim como fiz anos antes, assim como quando deixei o continente pra viver naquela ilha com ela. Deus, ela não olhou pra trás por um segundo sequer. E partiu.
No início ela mandava cartas em garrafas, coisa mais ridícula. Dizia que sofria também, mas que precisava seguir, viver novas coisas, que eu fazia mal pra ela. Depois o tom das cartas foi mudando, ela dizia que eu precisava sair dessa loucura e me tratar, que eu era doente e que ela não viveria comigo nunca mais. Por fim, ela mandou uma carta seca dizendo que não podia mais fazer nada por mim, e junto à carta uma foto dela com um rapaz que ela conhecera na última visita ao continente antes de me deixar.
E eu fui ficando por aqui, fui fincando por aqui. Desaprendi a linguagem que as pessoas usam pra se comunicar umas com as outras. Desacreditei no ser humano e em qualquer forma de amor. Fui ficando aqui, náufrago das promessas que ela me fez, náufrago do cheiro que ela tinha na nuca. Não tinha porque voltar ao continente – as promessas dela nunca se realizariam, o cheiro da nuca dela nunca voltaria a ser meu. Mas, lá no fundo, nunca fui embora porque achei mesmo que um dia ela voltaria. Nem que fosse pra tripudiar, ou sentir pena, ou até quem sabe me salvar. Mas ela me esqueceu. Ela seguiu com a vida e eu chorei até secar, e eu pedi a Deus que fosse piedoso e me levasse, mas quanto mais eu pedia menos ele me ouvia. Porque eu zombei dele um dia, e dos sinais, e ignorei tudo. Deixei tudo pra ter nada. Pra ser nada.
E agora voltar parece despropositado. Surreal. Sou o espectro infeliz do que fui um dia. Porque um dia fui inteiro, mas dei tudo de mim pra ela. A parte humana que tinha em mim morreu junto com a lembrança dela.
"Quem pagará o enterro e as flores se eu me morrer de amores?"