quarta-feira, 30 de março de 2011

A Formiga

Escrevi após ter lido O Pequeno Príncipe



Não é a ingenuidade que nos comove

Somos todos tão ingênuos

Que até nossa malícia

Dá pena, por ser boba

Por almejar espontaneidade

Somos todos tão ingênuos


Que a profundidade não nos alcança

E que a as alturas não nos afligem

Por que não as percebemos ante os olhos

Somos tão pequenos

E em nossas coisas pequeninas

Somos tão cegos

Tão bobos

Tão adultos

Tão sozinhos.


E a formiga que passa, pequena princesa,

Ainda se comove

Por olhar-nos debaixo, mas enxergar-nos de cima.



Thaís Carvalho


segunda-feira, 21 de março de 2011

Pra acabar com mal de amor


Não use de qualquer espécie, a flor.

Quanto mais por infusão!

Pra acabar com mal de amor

Todo aroma é um vilão.

Folhas de lembrança boa

É veneno de primeira,

E evite ficar atoa

Pois o ócio é pimenteira.

Da raiz do esquecimento

Faça um chá por decocção,

Que faz bem ao coração

E corta o desalento.

Pra acabar com a enfermidade

Não use Melissa, Perpétua, ou Marcela.

(É bom que se tenha respeito!)

Mas folhas de amizade

Maceradas com Citronela

(Contra o "dengo", como emplastro sobre o peito).

Nunca Hortência ou Oriza

Pois todas tem Olor.

Dama da Noite, embora se diga,

Não é bom pra mal de amor.

O que acaba mesmo com a dor

É uma sopa estranha

Feita pela pessoa amada

Com letrinhas marcadas.

Em que todas as palavras formadas

So digam “Eu te amo”.

(Caso não tenha ainda

Continue procurando

Ou siga a receita acima).

sexta-feira, 4 de março de 2011

Quimera, 1978


Remexendo em papéis antigos , reencontrei alguns poemas de meu pai, datados de 1978. Fiz questão de compartilhar um deles com vocês, até mesmo escaneei para que pudessem ter a ideia de como se encontra esse poema hoje:

(Clique na imagem para vê-la ampliada)






Quimera

Quando parti não me deste nada
nem nada queria levar,
queria somente a certeza
de um dia poder voltar.
Em busca de fama e riqueza
Parti pelo mundo afora.
Era um convite auspicioso
que não aceitava demora.

Desconhecendo a ironia
aspirava realizar meu sonho,
que aos poucos se distanciava,
toldava o rosto tristonho.

Notei a mancha enegrecido,
quisera já ter sabido;
eram pessoas que como eu
em busca de sonho, partido.

E um tumulto interior,
uma funda turbação
dentro de mim implorava,
clamando por sua mão.

Mas a distância inimiga
a ignorar o que havia em mim,
vibrava de alegria
no anseio de ver o fim.

Voltar seria humilhante
pra quem saiu a lutar.
Sem nada ter conseguido
ao alto me ponho a olhar.
Como um raio que corta o céu
iluminando o que há na terra,
meus gestos se tornam claros,
o orgulho gera essa guerra.

Passei a dar meia volta,
saindo da vida alvacenta
na certeza de reencontrar
'você' que minh'alma acalenta.

Com os olhos entrelaçados
palavras não são ações;
E num abraço apertado
unimos os corações.

Foi o momento mais puro
por dentre todos demais,
com o mais dócil dos beijos
pediu: não me deixe jamais.


Nivacyr G. Carvalho
17-08-1978

quarta-feira, 2 de março de 2011

Gambiarras


Dias desses, sentado num banco de praça, assisti ao show capaz de apertar o coração até mesmo de um texano cowboy mastigador de abelha: o semblante da mulher que estabeleceu sua morada oficial em Desiludidanópolis.

Era uma amiga de longa data, pero que há tempos não sentávamos pra falar do tudo e mais nada. Estávamos ali de bobeira, e eu hablava a respeito da minha recente paixão, enquanto flagrei a bichinha com seus olhinhos pro chão e com bico torto. Deu uma dó da gota.

Questionei o que se passava, afinal, essa menina não partilhava dos hábitos e manias daquelas aves de mau agouro, com costume de se enfezar com a alegria alheia. A querida decretou:

- Helder, acho que nunca vou encontrar o meu par perfeito...

O que dizer para essa aspirante à princesa de contos-de-fada órfã de príncipe encantado? Na situação, as palavras corretas saíram pra comprar cigarros e não tive resposta. Só ofertei o calejado ombro e torci para que suas propriedades terapêuticas & consoladoras fizessem efeito na carente moça.

Mujeres, quem avisa amigo é: desistam de procurar nas oficinas mecânicas da vida, a peça perfeita para a engrenagem do “felizes para sempre”. O amor é a capacidade de se fazer as melhores gambiarras.

Si, si, mi hermosas compañeras... Esse talento tupiniquim não pode ser de jeito maneira negligenciado. É o jeitinho brasileiro, no sentido bom da expressão. Alguns amores só andam após uma ligação direta. Mãos ao improviso, aconselho.

Se usted é daquelas que fãs do som sertanejo, não vá julgar um infeliz por sua camisa do Iron Maiden. Se fores daquelas mulheres descritas por Chico Buarque que faz cinema, não se apoquente se o sujeito sugerir um cine pipoca com a série de “Um Tira da Pesada”. Por baixo desse cobertor de clichê, o cristão pode te surpreender.

“Ah, mas ele é muito diferente...”, denuncia a leitora, que também possui seu apartamento em Desiludidanópolis. Aceite as diferenças. Sem dúvida, para tudo há um limite e a senhora sabe muito bem o seu. Só peço um pouco menos de rigor, só pra ver no que dá. Se o pretendente continuar a frustrar as expectativas, aí sim, apresente o bico do seu calçado de preferência.

Paciência, minha linda. Faça como a Mônica e ensine coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar. Mas sem exageros. Não mude seu hombre, pois numa dessas, acaba que você consegue.

terça-feira, 1 de março de 2011

Sonhos



Amores vêm, e vãos,

Matam-me insalubres.

Anunciam lúgubres

Dante ou Ícaro.

Ainda, porém, em paixão

Me pego. Tocando o Pífaro.

Indo-me a voar de beijos alados.

Nunca sentidos, nunca tocados,

Há muito sonhados, existentes em saudade.

Aqueles teus, nunca tidos de verdade.